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quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Saúde e morte: o pseudodilema da vacina


 

Saúde e morte: o pseudodilema da vacina

 Leonardo Venicius Parreira Proto1

 

Nestes últimos meses de pandemia temos visto um intenso debate sobre a necessidade e o direito à vacinação para imunização da covid-19. Esta intensidade da discussão, para surpresa de muitos adentrou a arena da cena pública e tem sido pauta permanente dos noticiários televisivos, nos meios impressos e, não poderia faltar em nosso contexto, nas redes sociais. A ênfase na surpresa se deve ao caráter da ingenuidade de vários indivíduos ou mesmo dos que estão “calejados” com a discussão pública, seja esta em que níveis forem, dos debates simples aos mais complexos. Não é novidade que em debates públicos haja polêmicas e embates de aspectos da vida social e a separação entre o que pensamos e o que pode ser dito está intensificado no “cenário” das redes sociais. Isto talvez apresente a nós um sintoma2 do atual estado de coisas, visto a “olho nu” no emaranhado das relações sociais. A estes ingênuos da questão política cabe lembrar o célebre poema de Brecht:

 

O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.

O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio dos exploradores do povo3.

               

     Muitos que criticam o denominado negacionismo, também incorrem em negação ao se espantarem com um governo que “faz pouco ou nenhum caso” da política sanitarista implementada nos últimos meses. A negação se dá pelo fato de expressarem que em outro tipo de gestão governamental, de governos petistas, supostamente progressista, seria possível a legitimação do discurso de que um outro “governo é possível”, com agendas e pautas defendidas pelo progressismo.

     O que se nega e não se vê, é que em quaisquer situações e acontecimentos sociais - e agora do contágio e possibilidade de imunização com a aprovação de vacinas, seja para defender, acusar ou mesmo negar, sob bases discursivas científicas ou anticientíficas, tal como neste cenário, expressa uma falsa politização do debate, seja por aspectos como as discussões relacionadas ao que seja direita e esquerda, seja pela defesa do identitarismo, entre outros aspectos das relações sociais contemporâneas. Esta pseudopolitização das questões sociais poderá ser vista na próxima gestão do governo norte-americano, eleito entre outros motivos pelo caráter negacionista de Trump. Portanto, a pseudopolitização do debate nada mais significa que a tentativa de ocultar a dinâmica da luta de classes no interior desta sociedade, suas contradições e potencialidades para o combate ao capitalismo.

     O uso atual do termo “negacionismo” pode ser compreendido a partir da análise das ilusões ou o que ficou conhecido como “falsa consciência”, possuindo um elemento comum ao discurso ideológico, a naturalização. Algumas ideologias burguesas, ao naturalizarem a miséria social, negam a sua essência, a sua determinação fundamental, que são as relações de exploração e dominação de classe geradoras do processo de capital. Ao negar esta origem social da miséria, e com ela as consequências do adoecimento dos indivíduos em escala planetária, as perspectivas reformistas4 “aparecem”, tanto no espectro do bloco dominante como no bloco progressista5 para ocultarem a dinâmica de exploração.

Basta vermos as reformas empreendidas na política institucional desde o início do século XXI, seja para maior ou menor dano. O que se propõe hoje são mudanças de governo e supostamente de “políticas governamentais”, mas que não saem do âmbito do neoliberalismo, aliado com o microrreformismo. Isto aparece como saída para atenuar os tensionamentos entre as classes, sobretudo, com as classes inferiores, que de fato podem potencializar processos revolucionários no caminho das lutas em prol da emancipação humana.

No caso brasileiro, isto pode ser ilustrado historicamente desde a revolta da vacina em 1904 e a tentativa da política sanitarista do governo do presidente Rodrigues Alves (1902-1906), conduzida pelo médico sanitarista Oswaldo Cruz (1872-1917) à época, de impor uma reforma sanitária na cidade do Rio de Janeiro, então capital do país. E com esta medida houve uma resistência de setores das classes inferiores quanto à imposição de tal política e seu ideário de “modernização” da sociedade brasileira (SEVCENKO, 2018).

     Disputas políticas nunca se ausentaram do debate, como vimos acima com a revolta da vacina, mas agora há uma negação da imunização da doença, decorrente da leniência estatal em dispor da vacina para uma campanha nacional. Porém, o embate político para negar ou não a necessidade da vacina para a saúde dos indivíduos, dissimula o que está por trás da produção da própria vacina, ou seja, o fortalecimento do capital farmacêutico6.

     A distribuição da vacina por parte do Estado, continua a ocultar os conflitos inerentes a sociedade de classes, pois a necessidade de produção mundial de vacinas tem como objetivo salvaguardar os interesses de acumulação do capital farmacêutico. Afinal, em termos científicos, a produção de imunizantes não se faz do “dia para a noite”. E como estamos acompanhando, os países capitalistas avançados como Inglaterra e E.U.A, apoiados pelo capital farmacêutico não perderam tempo e já iniciaram o procedimento de vacinação de sua população.

 Assim, o capitalismo é um produtor de pandemias, embora isso não apareça imediatamente na consciência das pessoas, pois o imediato é mais visível, enquanto que as mediações/determinações são menos perceptíveis. Um acontecimento é rapidamente perceptível em si, mas o seu processo de constituição, suas determinações, já não são acessadas pela consciência imediatamente, com raras exceções. Um vírus que surge na cidade X remete para a responsabilização desse local e não das condições sociais, ambientais e outras, que permitem sua emergência, bem como transmissão e disseminação (VIANA, 2020, s/p.).

 

As doenças e contágios nesta sociedade não são casuais, são desenvolvidas pelas formas de produção e reprodução do capitalismo. Os efeitos danosos à saúde são ocasionados pelas relações de exploração de classes, que ao explorar os indivíduos das classes trabalhadoras, impõe a mesma lógica sobre a natureza e o conjunto do planeta. A produção de doenças e suas patologias são intensificadas no regime de acumulação integral7 e a possibilidade de disseminação mais rápida acompanha o desenvolvimento tecnológico e do capital recreativo,8 etc. E cabe ao capital farmacêutico incrementar com pesquisas e novos medicamentos a partir da demanda criada. Demanda esta que será incentivada tendo em vista os discursos produzidos pela intelectualidade e pelo capital comunicacional9, favoráveis à medicalização dos indivíduos. Isto não seria diferente em um contexto de pandemia.

     A crítica de Viana (2020) esboçada acima reforça nosso posicionamento de que saúde e morte na sociedade capitalista são apropriadas a partir dos interesses da classe dominante e de sua lógica de reprodução. A negação como um aspecto do dilema da vacina é melhor compreendido se olharmos para além das questões imediatas da doença e seus efeitos, que não são somente biológicos, clínicos, orgânicos, mas também políticos. Desafia-nos a pensar a superação desta realidade imediata e propormos uma ação política que enfrente a dinâmica do capital, a existência do Estado (e a necessidade de sua abolição), os mecanismos restritos de participação da representação política e as formas de burocratização da vida social.

     Em síntese, é preciso desenvolver formas de auto-organização e autoformação, o que pressupõe a existência de um projeto revolucionário, no qual o desenvolvimento da consciência revolucionária se tornará hegemônica, e por isto, o movimento operário e os movimentos sociais revolucionários constituirão os meios necessários para lutarmos pela superação do capitalismo.

     Dessa feita, urge para os indivíduos se engajarem nas lutas sociais em prol da nossa realização humana plena, o que pressupõe lutar para dissolver os meios políticos instrumentalizados pela burocratização das relações sociais. O desenvolvimento da consciência e da auto-organização são fundamentais para a luta pela transformação social radical e total e por isso torna-se necessário a formação de coletivos que contribuam com a ampliação dessa luta. Essa é a forma de luta que precisamos incentivar e que nos ajudam a posicionar diante dos diversos dilemas sociais, tais como o da vacina e pandemia.

 

Referências

SEVCENKO, Nicolau. A revolta da vacina: mentes insanas em corpos rebeldes. São Paulo: Editora Unesp Digital, 2018.

BRAGA, Lisandro. Capital comunicacional e discurso do poder. Revista Enfrentamento, ano 10, n. 17, jan/jun, 2015.

FREUD, Sigmund. Inibição, sintoma e angústia. Obras completas, ESB, v. XX (1925-1926). Rio de Janeiro: Imago, 1996.

ORIO, Mateus. Capital Recreativo: a apropriação capitalista do lazer. Curitiba: CRV, 2019.

TELES, Gabriel e ORIO, Mateus. Capital Recreativo. Disponível em: <https://aterraeredonda.com.br/capital-recreativo/>. Acesso em: 29 de dez. de 2020.

VIANA, Nildo. Para além da crítica dos meios de comunicação. In: MARQUE, Edmilson et al (Orgs.). Indústria cultura e cultura mercantil. Rio de Janeiro: Corifeu, 2007.

VIANA, Nildo. O capitalismo na era da acumulação integral. Aparecida: Idéias e Letras, 2009.

VIANA, Nildo. Capital Farmacêutico, Medicalização e Invenção de Doenças. Revista Espaço Livre, v. 07, p. 37-41, 2012.

VIANA, Nildo. Blocos Sociais e Luta de Classes. Revista Enfrentamento, ano 10, n. 17, jan/jun, 2015.

VIANA, Nildo. Sobre a relação capitalismo-pandemia. Disponível em: <https://aterraeredonda.com.br/sobre-a-relacao-capitalismo-pandemia/>. Acesso em: 13 de dez. de 2020.

 

 


1  Militante autogestionário.

2  A palavra tem significado ligado ao conhecimento da medicina, referente às causas de nossos estados físicos e orgânicos no processo de adoecimento; como também tem um significado específico para o saber psicanalítico, como um aspecto que “anuncia” a chegada da patologia. Em termos psicanalíticos, sintoma expressa a formação de compromisso, pois “serve a dois senhores” na tentativa de agradar o id e o superego (FREUD, 1996).

3  BRECHT, Bertold. O Analfabeto Político. In: Poemas. 1913-1936. 3ª edição, São Paulo: Brasiliense, 1987.

4  No capitalismo contemporâneo, em seu atual regime de acumulação integral, “aparecem” políticas estatais específicas, que são na realidade microrreformistas, cujo objetivo é desenvolver políticas segmentares, cujo interesse das classes dominantes é a cooptação de certos setores sociais, como se pode ver como exemplo, a política de cotas para ingresso em instituições federais de ensino superior e técnico no Brasil, implementadas no governo petista de Dilma Rousseff em 2012 (Lei 12.711).

5  Para Viana (2015), os blocos sociais são as forças organizadas e conscientes que manifestam os interesses de determinadas classes e frações de classes. No capitalismo, as duas classes sociais fundamentais geram dois blocos sociais, que aglutinam outras classes no seu interior. Trata-se do proletariado, classe produtora de mais-valor, e da burguesia, classe apropriadora de mais-valor. Estas duas classes geram dois blocos sociais: o dominante e o revolucionário (esse mais frágil devido suas bases sociais: proletariado e demais classes inferiores). Porém, existem outras classes que buscam se autonomizar e defender interesses próprios, gerando um terceiro bloco social, que fica entre os dois anteriores e é o bloco progressista. O bloco dominante reúne as organizações da burguesia, como o aparato estatal, e diversas instituições (fundações, institutos, partidos políticos, etc.) e diversas ideologias e concepções (liberais, republicanas, fascistas, nazistas, etc.), e o bloco revolucionário reúne os representantes intelectuais do proletariado (marxistas autogestionários, anarquistas, autonomistas) e algumas organizações (de revolucionários e de operários, entre outras), enquanto que o bloco progressista também gera suas organizações (partidos progressistas em geral, como social-democratas, trabalhistas, bolchevistas, entre outras formas organizativas) e ideologias (leninismo, social-democracia, sindicalismo, etc.).

6  Capital farmacêutico é um termo em que se expressa uma divisão do capital responsável pela exploração e produção de mercadorias para este setor do capital. Ele é fortalecido nas formas do atual regime de acumulação integral (neoliberalismo), para que ocorra a reprodução ampliada do capital e ampliação do mercado consumidor, daí a necessidade da medicalização e da “invenção de doenças”, que no processo de tratamento desenvolve doenças reais (VIANA, 2009; 2012).

7  Essa forma social é desenvolvida como tese em Viana (2009) busca compreender o processo histórico de desenvolvimento do capitalismo e suas formas de acumulação, desde o surgimento do capitalismo na sociedade moderna. A teoria do regime de acumulação integral é a forma atual de acumulação capitalista, portanto, uma acumulação que ao mesmo tempo é intensiva e extensiva, derivado da intensificação da exploração da força de trabalho por meio do aumento da extração de mais-valor relativo e absoluto. Esta forma atual de intensificação da exploração se torna o regime de acumulação dominante a partir de 1980. Esse regime de acumulação produz mudanças no âmbito da esfera da produção e sua distribuição, o que implica também transformações culturais, como se pode ver naquilo que é considerado como ideologia da globalização. “O que se chama “globalização” é, na verdade, uma nova fase da constante reconversão capitalista, em que, como sempre, os países subordinados se inserem de forma desvantajosa e contraditória no novo contexto do capitalismo mundial, marcado pela instauração do regime de acumulação integral” (p. 139).

8  O setor do capital responsável pela exploração capitalista do lazer é o capital recreativo. As relações sociais no modo de produção capitalista são mercantilizadas e o lazer está inserido nesta lógica de reprodução, tanto da produção de mercadorias como para o consumo das mesmas (ÓRIO, 2019). Portanto, há um conjunto de atividades recreativas, de filmes a jogos eletrônicos, que reproduzem a sociedade capitalista e são mercantilizadas e tornam-se mercancias, o que significa reproduzir o capital em seu regime de acumulação atual (TELES e ORIO, 2020).

9  Assim como capital farmacêutico e recreativo, outra forma de capital que pode ser analisada a partir do regime de acumulação integral, é o comunicacional. Não que este não existisse no regime de acumulação anterior, mas que se potencializa no atual regime e expressa “relações sociais de exploração e acumulação, em contraposição a um mero processo de produção não definido linguisticamente, tal como indústria ou empresa (VIANA, 2007, p. 14). Isto significa que as formas de comunicação na atualidade são dominadas pelos oligopólios de comunicação e seus meios tecnológicos, de maneira expansiva em todo o mundo (BRAGA, 2015).

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Para Além das Eleições

 


Para Além Das Eleições


Mateus Alves



    Estamos em um período eleitoral e, mais uma vez, assistimos aos velhos bordões se retocando para parecerem novos. Cada eleição se parece bastante com a anterior, alterando apenas algumas especificidades – isso é explicado pela falta de criatividade dos candidatos, pelo grau de insatisfação das classes inferiores em relação à mesma, mas principalmente por conta da impossibilidade de qualquer discurso mais radical, sendo imperativo aos candidatos repetirem o que já foi dito. Os candidatos devem satisfazer os interesses de seus financiadores, bem como da direção do partido e simultaneamente devem agradar grande parte da população por meio de discursos. O resultado dessa combinação são bordões repetitivos com novos penteados. No entanto, apesar dos candidatos reproduzirem os mesmos discursos e, quando eleitos, darem as costas para seus eleitores, as eleições ainda possuem legitimidade.

   Uma das determinações para a continuidade desta legitimidade é não avistar outra possibilidade para além do existente, se conformando com o estado atual das coisas. É bem sabido, porém, que as classes inferiores estão descontentes com a sociedade capitalista e a cada eleição suas expectativas são quebradas, persistindo o mesmo descontentamento, tornando uma tendência a crescente insatisfação em relação ao processo eleitoral. E isso não ocorre por acaso ou porque o mais apto não foi eleito ao cargo. Isto é consequência das necessidades da acumulação de capital, da natureza do estado capitalista e dos partidos políticos.

   O estado capitalista é uma forma de regularização das relações sociais e isto é efetivado principalmente por meio do controle. Esta regularização e controle ocorrem de acordo com os interesses da burguesia como classe e, portanto, o estado serve aos interesses da acumulação de capital. Marx se referiu ao estado moderno como um comitê que faz valer os interesses comuns da burguesia exatamente em razão do mesmo representar os interesses dos capitalistas em sua totalidade.

   Já os partidos políticos são organizações burocráticas que detém em seu interior a divisão entre dirigentes e dirigidos com o objetivo de ascender ao poder do estado. Desse modo, os partidos políticos são organizações que visam o controle, reproduzindo a divisão entre o trabalho intelectual e manual, pois alguns planejam e outros executam. Em vista disso, os indivíduos que constituem a direção dos partidos políticos pertencem a uma fração de classe específica no capitalismo chamada de burocracia partidária. A burocracia, enquanto classe, possui interesses próprios que não correspondem aos interesses das classes inferiores.

  Cada partido político lança seus candidatos em eleições para alcançarem o poder estatal. Para isso, precisam se adequar às regras eleitorais elaboradas pelo estado. Também, é necessário que os mesmos divulguem seus candidatos para aglutinar votos, gerando a necessidade de grandes investimentos para aumentar a possibilidade de ganhar a eleição. Quem financia estes gastos dos partidos políticos são, geralmente, frações da burguesia [1] que, em troca, terão seus interesses representados no parlamento. A combinação da adequação às regras eleitorais com a necessidade de financiamento gera organizações serventes aos interesses da burguesia, importando-se com as classes inferiores apenas no discurso. O estado, os partidos políticos e o parlamento servem, portanto, à reprodução do capitalismo [2].

   Assim, é necessário superar a ideia que os candidatos (isto é, os aspirantes a políticos profissionais) podem representar os interesses do proletariado. Os interesses de classe dos partidos políticos, as “regras do jogo eleitoral” e a necessidade de financiadores garantem que isso não se concretize. Porém, apesar disso, o processo eleitoral e os partidos políticos se apresentam como os meios de concretizar os anseios da população. Como o interesse do proletariado é se livrar das amarras da exploração e da dominação, os partidos políticos e o estado – marcados intrinsicamente com os próprios interesses – não podem livrar o proletariado de suas amarras. Esta tarefa incumbe ao próprio proletariado, não à algum partido político.

   O proletariado e todos aqueles interessados na transformação radical desta sociedade devem negar a eleição, pois senão, estariam legitimando-a. Ora, se os partidos políticos e o próprio estado são antagônicos aos interesses do proletariado revolucionário, não há motivos para votar em aspirantes a políticos profissionais. Os meios devem corresponder aos fins, como assinalava Rosa Luxemburgo.

   Em vista disso, a luta pelo voto nulo autogestionário corresponde aos interesses do proletariado, pois nega as organizações burocráticas, o estado, o processo eleitoral, a ideologia da representação em prol de auto-organizações revolucionárias e simultaneamente realiza-se a afirmação do projeto revolucionário de superação da sociedade capitalista. Dessa maneira, a luta pelo voto nulo autogestionário faz parte da luta mais ampla pela autogestão social.

   Assim, o voto nulo vinculado ao projeto autogestionário nos possibilita enxergar para além das eleições, vislumbrando uma sociedade radicalmente nova, onde os seres humanos estarão livres de suas amarras. E para isso, o proletariado deve superar as organizações burocráticas, o estado e a ideologia da representação para concretizar sua autoemancipação. A revolução, portanto, será obra dos próprios trabalhadores.


Notas:
[1] Há também a existência de candidatos que, em decorrência de algumas especificidades, é necessário eles mesmos - ou o partido - financiarem suas campanhas. Deste modo, estes candidatos possuem chances bastante reduzidas de ganharem as eleições, sendo apenas “figurantes” do processo eleitoral. Porém, ainda assim, isto não anula seus interesses de classe, alheios ao do proletariado.


[2] Vale lembrar que a conquista do voto foi concedida por meio da luta dos trabalhadores. Porém, o resultado desse processo foi a burocratização dos partidos progressistas - em especial dos partidos social-democratas - e dos sindicatos.


sábado, 29 de agosto de 2020

Voto Nulo Autogestionário e Coerência Revolucionária



VOTO NULO AUTOGESTIONÁRIO E COERÊNCIA REVOLUCIONÁRIA
Rubens Vinícius da Silva 

        Num momento marcado pela irracionalidade, moralismos e quase total falta de disposição para leituras e reflexões, inicio este pequeno texto afirmando de antemão que existem distintas formas de voto nulo¹. Uma delas em especial aponta para a crítica total da sociedade capitalista e suas instituições: refiro-me à luta pelo voto nulo autogestionário. A luta pelo voto nulo autogestionário que o Movaut - Movimento Autogestionário defende coloca que este se trata de um momento (um meio) para um objetivo final (um fim último). Dessa forma, a crítica radical dos partidos e da democracia burguesa é um meio, uma expressão coerente da luta pela sociedade autogerida que é o objetivo final da luta pelo voto nulo autogestionário.

        Logo, não se trata de uma questão conjuntural ou imediata: inclusive, a polarização burguesa atual (focada numa recusa acrítica à figura individual do presidente e seus aliados, o que aponta para o reforço da ilusão eleitoral) tem levado muitos indivíduos honestos a adotarem o voto no mais ou menos “ruim”, perpetuando e reforçando as ilusões de um “salvador” da política institucional no capitalismo. Obviamente que toda esta nuvem de fumaça é de interesse da burguesia e das suas classes auxiliares, incluindo aí os burocratas de partido que aspiram ou ascendem aos cargos no poder estatal, que é o poder político burguês. Isso oculta o fato de que todos os governos no capitalismo existem para manter intocáveis as relações de exploração e dominação de classe e demais relações sociais, que são relações entre classes, marcadas pela luta de classes.

        Os governos do PT (que inclusive nos dois mandatos de Lula, foram apoiados pelo então deputado federal Bolsonaro e o partido que na época fazia parte, o PP) assim como os governos antes e pós-PT foram e serão os fieis serviçais da exploração e dominação capitalista. Não importa em qual das instâncias (municipal, estadual e federal), os governos e seus opositores de plantão continuarão criminalizando a luta das classes trabalhadoras – do proletariado em especial – e setores contestadores quando estas saírem de seu controle. Seja sabotando greves selvagens e lutas autônomas, seja minando as expressões políticas e organizações do proletariado revolucionário.

       Todos os governos servem a este propósito: garantir as condições necessárias para a reprodução das relações sociais capitalistas. São os agentes reais do estado capitalista, a associação que faz valer os interesses comuns e os negócios das distintas frações da burguesia. Claro que há especificidades nacionais e regionais em cada governo e instância (municipal, estadual, federal) ao longo da história do capitalismo. Mas isso não invalida o fato de que a mutação formal e especificidade local carregam consigo a permanência do essencial: fazer valer os interesses e cumprir as tarefas políticas e econômicas da classe capitalista.

       Se ficarmos nesses maniqueísmos, chavões e adjetivos (o que só evidencia a miséria intelectual, psíquica e cultural reinante na sociedade brasileira) do político, partido, governo X ou Y continuamos a perder de vista a totalidade e os interesses de classe do proletariado, a classe revolucionária da sociedade capitalista. Isso porque todos os partidos políticos (e dentro deles quem manda é a burocracia partidária) são organizações que reproduzem a divisão social do trabalho no seu interior e têm como objetivo conquistar o poder estatal.

      E isso significa amortecer a luta de classes e a luta proletária em especial, impedindo ou então cooptando as formas organizacionais das classes inferiores, setores contestadores e, por conseguinte, do proletariado: isso porque quando esta classe se autonomiza e expressa seus interesses imediatos e históricos, avança da busca por melhores condições de vida nas relações de produção capitalistas para a luta pela abolição destas mesmas relações de produção e suas formas sociais correspondentes.

        A história das lutas demonstra que toda vez que o proletariado e as classes inferiores conseguiram concessões da classe capitalista foi com base numa luta encarniçada, e inclusive contra os partidos: o caso recente no Brasil talvez possa não evidenciar este processo, mas as formas organizacionais criadas historicamente pela classe operária mundo afora foram aqui inspiração para a ação por setores contestadores², em especial no início deste século XXI.

       Em síntese, a luta pelo voto nulo autogestionário (luta, pois se vincula ao objetivo final, que é a autogestão social, e não uma simples campanha) difere das demais formas de voto nulo, pois: a) não visa anular as eleições e sim criticar a democracia burguesa, o processo eleitoral e a sociedade capitalista como um todo; b) não se dirige como oposição aos candidatos e aos partidos do momento e sim faz a denúncia da burocracia partidária em geral, explicita seus vínculos com a reprodução do capitalismo e propõe a constituição de novas formas de organização, antagônicas aos partidos políticos; c) faz parte do processo mais amplo de luta pela superação do capitalismo, do qual a democracia burguesa, os partidos e o sistema eleitoral são partes integrantes. Dessa maneira, não se trata de uma atitude individual isolada, mas antes de um momento constitutivo do processo de luta mais amplo: a luta pelo voto nulo autogestionário faz parte da luta pela autogestão social, pois está articulada ao projeto revolucionário e à classe revolucionária de nossa época, o proletariado.

        Assim, o voto nulo autogestionário é a ferramenta de luta contra a democracia burguesa e uma forma de demonstrar que somente através da autonomização do proletariado será possível combater radicalmente o conjunto das relações sociais capitalistas. Tal processo precisa se articular com as demais lutas nas demais esferas da vida social, generalizando novas relações sociais, superiores àquelas que os entusiastas da democracia e do voto se esforçam em legitimar visando seguir como classe auxiliar da burguesia. Votemos nulo: lutemos pela autogestão social!

Notas:


¹ Dependendo de cada eleição e ressaltando que no Brasil o voto consiste numa obrigatoriedade, há aqueles que votam nulo por não se sentirem “representados” pelos candidatos, assim como há quem vote nulo por orientação partidária específica, quem vota nulo visando anular o pleito eleitoral, dentre outras formas. Assim, a luta pelo voto nulo autogestionário difere destas manifestações individuais ou então coletivas que não apontam para a denúncia da sociedade capitalista e para a articulação entre a crítica do processo eleitoral, dos partidos e da democracia burguesa em sua totalidade com a luta pela superação do capitalismo via revolução autogestionária. Sobre isso, ver a edição especial da Revista Enfrentamento lançada em 2010 e dedicada exclusivamente ao processo eleitoral, à farsa da democracia burguesa e às alternativas propostas. 

² Aqui nos referimos às lutas que emergiram contra o aumento das tarifas de transporte coletivo durante a primeira década deste século, bem como àquelas que se desenvolveram na forma de ocupações de escolas durante os anos 2010. A este respeito conferir Maia (2016). 

Referências


REVISTA ENFRENTAMENTO, n. 8, jan./jul. 2010. Disponível em: http://redelp.net/revistas/index.php/enf/issue/view/Revista%20Enfrentamento%20N%C2%BA%208/showToc. Acesso em 26 de agosto de 2020.

MAIA, Lucas. Nem partidos, Nem Sindicatos: a reemergência das lutas autônomas no Brasil. Goiânia: Edições Redelp, 2016. 

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

CONTRA OS PARTIDOS E SINDICATOS


CONTRA OS PARTIDOS E SINDICATOS


Rubens Vinícius da Silva


Escreveu Marx (1977, p. 3, itálico no original) na Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel [1843]: "Dirigidos por nossos pastores, encontramo-nos apenas uma vez em companhia da liberdade: no dia do seu enterro". Qual a relação entre este fragmento e o modo como os partidos e sindicatos buscam se relacionar com as classes inferiores e setores contestadores da sociedade moderna?

A resposta a tal questionamento nos remete ao seguinte: nunca é demais lembrar que todos os burocratas de partidos e sindicatos são "pelegos[1]", sejam eles ocupantes ou aspirantes, conservadores ou progressistas. A burocratização e mercantilização destas duas formas organizacionais é algo irreversível; a relação entre dirigentes e dirigidos que as fundamenta é uma das relações sociais fulcrais das sociedades classistas.

Os seus interesses enquanto fração de classe auxiliar da burguesia (a classe dominante no capitalismo) consistem em impedir que as classes inferiores superem estas formas burocráticas de organização, que ironicamente foram criadas pela classe operária e há mais de um século servem para a reprodução e consolidação do capitalismo. A história do movimento operário está repleta de exemplos onde os partidos e sindicatos foram os principais agentes da contrarrevolução, ao lado da classe capitalista e das suas classes auxiliares.

Dentre outras formas, a miséria contemporânea do bloco progressista[2] se manifesta no desespero eleitoral e na necessidade de controlar, amortecer ou cooptar as formas de auto-organização das classes inferiores e setores contestadores da sociedade capitalista. Do mesmo modo, pode ser observada na busca incessante por legitimar a necessidade da organização sindical (seja nas direções ou nas patéticas "oposições de luta", que só servem como justificativa para ascender à burocracia sindical e manter a apatia e passividade das "bases"), a qual também há mais de um século se revela uma forma de organização antagônica à luta pela autoemancipação humana.

Ambas as organizações são fundadas numa rígida e complexa divisão social, reproduzindo o capitalismo no seu interior. No interior destas organizações emerge um conjunto de funcionários especializados, os quais passam a possuir interesses próprios, vinculados à sua autorreprodução enquanto fração da burocracia. Ao lado disso, os burocratas de partidos e de sindicatos promovem um processo de autovaloração, enaltecendo suas ações com o fim de justificar sua existência. Tal processo caminha em conjunto com o processo de simulação-dissimulação: os burocratas partidários e sindicais do bloco progressista dizer representar os interesses das classes trabalhadoras, mas na verdade estão perseguindo seus interesses enquanto fração de classe auxiliar da burguesia. Desta forma, podemos afirmar que os partidos são estados em potencial e os sindicatos são organizados nos moldes da democracia burguesa, uma das mais sutis ideologias e formas de dominação de classe.

Os partidos políticos só têm um objetivo: tomar o poder e exercê-lo. Os sindicatos possuem horror às relações de produção comunistas, pois a autogestão social significa o fim de sua existência. O proletariado revolucionário e seus aliados têm interesses maiores e mais urgentes: a sua libertação, na forma de criação, generalização e articulação da autogestão de suas lutas, determinação fundamental para a autoemancipação humana.


Referências

MARX, Karl. Crítica da Filosofia do Direito de Hegel – Introdução. São Paulo: Editorial Grijalbo, 1977.

SILVA, José Santana.  Sindicalismo: da expectativa revolucionária à conformação burocrática. Goiânia: Edições Enfrentamento, 2020.

VIANA, Nildo. Blocos sociais e lutas de classes. Revista Enfrentamento, ano 10, n. 17, jan/jul. 2015. Disponível em: https://redelp.net/revistas/index.php/enf/article/view/960/830



[1] Na tradição do sindicalismo brasileiro, termo que caracteriza as direções sindicais que explicitamente buscam conciliar os interesses entre a classe capitalista e determinada fração das classes trabalhadores. Sobre o processo de burocratização do sindicalismo, que sepultou de modo inevitável quaisquer expectativas revolucionárias a respeito desta organização, consultar Silva (2020).

[2] Os blocos sociais são as formas mais organizadas, conscientes e ativas das classes sociais (não devendo ser confundidos com estas), no caso das classes fundamentais (burguesia e proletariado), ou de seus setores mais autonomizados, no caso da burocracia e seus aliados. O bloco progressista reúne frações da burocracia partidária e sindical popularmente conhecidos como “de esquerda”, ou seja, os setores destas frações de classe que dizem “representar” os interesses do proletariado e demais classes inferiores. Acerca dos blocos sociais, conferir o texto Blocos sociais e luta de classes, de Nildo Viana, publicado na Revista Enfrentamento, ano 10, n. 17, jan/jul. 2015. Disponível em: https://redelp.net/revistas/index.php/enf/article/view/960/830.

segunda-feira, 13 de julho de 2020

COMO ASSIM VOCÊ NÃO É FEMINISTA?



COMO ASSIM VOCÊ NÃO É FEMINISTA?



Jaciara Veiga

Ao dizer que não sou feminista, logo surgem algumas perguntas já com um “ar de reprovação”, sem ao menos buscar saber o porquê de tal afirmação: Como assim você não é feminista? Então você é contra a luta pela igualdade das mulheres em relação aos homens? Como uma mulher pode não ser feminista?

Parece natural que a reação da grande maioria das pessoas seja exatamente essa, a de estranhamento diante do que parece óbvio: “toda mulher é/deve ser feminista”. Isso acontece porque o feminismo é conhecido como o movimento que luta em favor das mulheres, de todas as mulheres; um movimento que reivindica a igualdade social e política entre os sexos. Apesar de hoje se falar de feminismo no plural (os feminismos), todos eles, com raras e ambíguas exceções, consideram a mulher — e não o proletariado — o sujeito da ação política, cujo interesse fundamental seria a luta pela igualdade de direitos em relação aos homens, uma luta pelo fim de sua opressão[1] numa sociedade “machista” e “patriarcal”. Esse estranhamento ocorre justamente por se acreditar que o movimento de luta das mulheres é homogêneo, isto é, desconsiderando que as mesmas pertencem à classes sociais distintas, desvinculando suas lutas das demais relações sociais e, por conseguinte, reduzindo-as meramente a uma relação entre homem-mulher, onde sua opressão seria causada pela “maldade inata do homem”. Nesse sentido, cria-se a ilusão de uma unidade entre as mulheres que através de interesses comuns, independentes dos de sua classe, constroem uma “fraternidade de sexo”, uma “sororidade”.

O feminismo se coloca como representante dos interesses das mulheres como um todo, mas, na verdade, representa os interesses das mulheres das classes superiores[2]. Apesar de estar ligado ao movimento das mulheres em geral, o feminismo é uma concepção ambígua (que pode se manifestar sob a forma de ideologia, doutrina ou representações) que diz representar os interesses das mulheres como grupo social em sua totalidade, mas  no fundo, representa os interesses individuais, setoriais ou das mulheres de determinadas classes sociais)[3]. Não é possível, portanto, falar em um movimento unitário das mulheres em uma sociedade dividida em classes sociais.

De fato, as mulheres sempre se rebelaram contra a situação social de opressão e subordinação a qual estão submetidas, e isso ocorreu durante um longo processo histórico e se desenvolveu sob diversas formas[4]. Contudo, o movimento de luta das mulheres tem sido por natureza um movimento fragmentado, com múltiplas manifestações, objetivos e pretensões diversas. O movimento feminino é considerado por muitos como homogêneo. No entanto, ele é heterogêneo e possui ramificações com variações em suas manifestações, como é o exemplo do feminismo[5].

Deste modo, não podemos confundir o movimento social em sua totalidade, o movimento feminino, com uma de suas ramificações, o feminismo[6]. É imprescindível fazermos a distinção entre movimento feminino e feminismo, para compreendermos a diferença entre ambos e superarmos o equívoco que considera todas as lutas, históricas e concretas das mulheres como sendo lutas feministas.

Apesar do feminismo ter mais destaque e hegemonia entre as mulheres das classes superiores, assim como nos meios acadêmicos e de comunicação e suas exigências aparentemente serem radicais, não se deve perder de vista o fato de que as feministas não podem e não querem, devido aos seus interesses de classe, lutar pela transformação radical da sociedade, sem a qual a libertação das mulheres não se efetivará. O feminismo é expressão da classe burguesa em oposição ao movimento feminino revolucionário, cuja expressão é a da classe operária. Seu objetivo implica uma emancipação particular (somente das mulheres), uma vez que afirma que o agente da libertação da opressão é o próprio indivíduo oprimido. Logo, a libertação das mulheres seria obra das próprias mulheres. A tentativa de associar a luta da mulher trabalhadora à luta feminista, não passa de uma estratégia que desvia da luta de classes, negando o proletariado como único agente histórico revolucionário.

  A luta das mulheres trabalhadoras não pode ser confundida com a ideologia feminista que busca uma “igualdade” em conformidade com a ideologia dominante, ou seja, a integração das mulheres no capitalismo “reformado”, através de conquistas parciais, tais como a “representatividade” nas instituições burguesas que, aliás, não serão alcançadas por todas as mulheres, mas criam a ilusão de que é possível encontrar “seu lugar” na sociedade. Sem dúvida alguma, mesmo que estas reformas sejam realizadas, a determinação fundamental da subordinação da mulher não será eliminada.

Então deve-se abandonar as lutas especificamente femininas em prol da luta de classes? É óbvio que a resposta é não. O que está sendo combatido é a forma como isso tem sido feito — além de isolar as lutas das mulheres, tornando-as autônomas e independentes das demais lutais sociais e acima da luta de classes, defende que a “maldade inata do homem” é a causa de sua opressão. Um equívoco que contribui muito mais para a reprodução das relações de subordinação do que para uma transformação radical dessas mesmas.

A luta, entretanto, deve ser classe contra classe e não sexo contra sexo[7]. A substituição da luta de classes pela luta entre os sexos é um verdadeiro entrave para a libertação das mulheres. É por isso que a luta das mulheres trabalhadoras é ao lado de seus companheiros de classe, os homens proletários, bem como de todos os homens e mulheres que se engajam na luta pela revolução, e não ao lado das feministas, mulheres que expressam os interesses da classe antagônica à sua. Para lutar pela emancipação das mulheres não é preciso ser feminista, muito pelo contrário, deve-se combater o feminismo e seu caráter burguês, pois somente assim, as trabalhadoras poderão construir um movimento, no qual os interesses de classe estejam acima dos interesses particulares, pois é somente através da transformação social total, que as mulheres, em particular, e a humanidade, em geral, poderá se libertar.

Combater o capitalismo, colocando em primeiro plano a luta pela autogestão social ao lado do movimento operário, segue sendo uma árdua, mas necessária tarefa das mulheres trabalhadoras.



[1] Não há como negar que na sociedade capitalista existe opressão e subordinação da mulher e que ela passou por diferentes formas e graus, mas que ainda continua existindo. O grande problema da mulher no capitalismo, bem como em toda sociedade de classe, é a subordinação. A opressão nas sociedades classistas atinge tanto mulheres quanto homens, mas a opressão da mulher segue sendo um problema maior que a dos homens, pois ela é acompanhada da subordinação, transformando-se em algo quantitativa e qualitativamente diferente. Ver Marxismo, Antropologia e Subordinação da Mulher, Nildo Viana in A Opressão das Mulheres no passado e presente – para acabar no futuro: uma perspectiva marxista, Christophe Darmangeat, 2017.

[2] Sobre classes superiores e classes inferiores ver “Classes superiores e classes inferiores”, Viana, 2019.

[3] Sobre movimento feminino e feminismo ver:

Movimento Feminino e Feminismo,  Marcus Gomes:  https://redelp.net/revistas/index.php/rms/article/view/06gomesms03;

O Feminismo como Ideologia Reformista, Florence Oppen:  http://phl.bibliotecaleontrotsky.org/arquivo/mv06neept/mv 06neept-11o.pdf;

Por qué no soy feminista: Un manifiesto feminista, Jessa Crispin.  Madrid: Lince, 2016;

Os Fundamentos Sociais da Questão Feminina, Alexandra Kollontai:  https://www.marxists.org/portugues/kollontai/1907/mes/fundamentos.htm;

Coletivo 8 de Março: http://coletivooitodemarco.blogspot.com/

Nuevo Curso: https://nuevocurso.org/diccionario/feminismo/

Barbaria: http://barbaria.net/tag/critica-al-feminismo/

[4] Concordamos com a tese de que a opressão das mulheres tem sua origem nas sociedades classistas, negando, portanto, a naturalização da opressão universal da mulher.

[5] Que, por sua vez, é dividido em várias tendências: “liberais”, “radicais”, “existencialistas”, “marxistas”, “anarquistas”, “socialdemocratas”.

[6] Os movimentos sociais produzem diversas ramificações, isto é, um movimento social pode ser considerado um caule do qual brotam diversos ramos. Essas ramificações, por sua vez, são derivações dos movimentos sociais. Apesar de muitas vezes serem confundidas com um movimento social em si, são partes dele sem ser sua totalidade ou ele mesmo. Ver: Os Movimentos Sociais, Nildo Viana, 2016.

[7] Sexo contra sexo ou classe contra classe: https://www.marxists.org/portugues/reed-evelyn/ano/mes/sexo.htm

 


sexta-feira, 10 de julho de 2020

O ESPANTALHO FASCISTA DOS ANTIFASCISTAS E A LUTA CONTRA AS ILUSÕES DEMOCRÁTICAS




O ESPANTALHO FASCISTA DOS ANTIFASCISTAS E A LUTA CONTRA AS ILUSÕES DEMOCRÁTICAS



Guilherme Bachmann


A questão do combate ao fascismo volta a ser pauta generalizada após inúmeros acontecimentos, o que vem acirrando os nervos de diversos blocos sociais[1]. A pandemia e a queda da acumulação de capital já demonstravam a tendência de uma maior animosidade entre classes, blocos sociais, partidos etc. Este cenário gera uma tensão crescente, em especial entre o proletariado e demais classes inferiores, os quais ao longo dos sucessivos governos democráticos estão assistindo a piora cada vez maior de suas condições de vida (corrosão de direitos trabalhistas, arrocho salarial, etc.). Como se não bastasse, num contexto marcado por tal situação desesperadora, nos deparamos com um governo cujos discursos são marcados não pela conciliação, mas pela continuidade e insistência (até suas últimas consequências) na polarização, agora entre governistas e não-governistas. Assim, a aparência comedida que tanto caracterizava a burocracia governamental parece não mais existir: o presidente não mascara seu desprezo pela população (sobretudo em se tratando do proletariado e outras classes inferiores) e sim o escancara. Tal postura causa espanto, revolta e exalta os ânimos de indivíduos e setores influenciados pelas correntes de opinião e representações produzidas pelo capital comunicacional e pela ação do bloco progressista. Não é absurdo imaginar que se o governo moderasse o discurso a revolta seria menor, ainda que fossem mantidas as mesmas políticas.

Agora novamente se fala em defender a democracia. Os sociais democratas elegeram esta máxima como a salvação da humanidade, o triunfo supremo da civilização. Os leninistas a defendem como um melhor caminho para realizar sua tomada do estado. Os anarquistas cambaleiam tentando defendê-la enquanto tentam ter o mínimo de concordância com seus ideais anti-estatistas. Juntam-se todos a defender a democracia contra o “fascismo”. O antifascismo é esse bolo ideológico que aglutina parcela da classe proletária e do bloco revolucionário[2] para dentro de uma ação conservadora. É orquestrado e tocado pelas mesmas figuras carimbadas ao longo da história e seus resultados já são dados. Não é de se espantar que muita gente esteja revoltada com os dizeres e ações repulsivos do governo e do presidente. Também não surpreende que essa revolta esteja sendo direcionada para a defesa da democracia, pois o discurso democrático é o discurso da garantia de direitos, do respeito, da “egalité, fraternité, liberté”[3]. Parcelas significativas de diversas classes sociais percebem este discurso como possibilidade concreta de realização: “Hoje está ruim porque fascistas comandam o país, quando líderes democráticos assumirem as coisas irão melhorar. Quando reina a democracia, reina a liberdade”.

Junto da defesa da democracia vem as frentes democráticas e “antifascistas”, organizações políticas ou um conjunto delas que teriam o propósito de representar o interesse democrático da população. Clamam aos revolucionários, bem como aos lumpemproletários, proletários e demais classes subalternas que abracem a luta democrática. Imploram que se abandone as diferenças para lutar contra um “inimigo comum”, pois a ameaça iminente de uma ditadura totalitária colocaria em risco os interesses de classes e blocos sociais distintos. Tal ditadura, argumentam, já teria começado. Para garantir nossos direitos e nossa liberdade precisaríamos defender com unhas e dentes as instituições democráticas. Esta espécie de fetichismo com a democracia é, obviamente, um construto ideológico burguês. A defesa da democracia reforça a hegemonia burguesa, já que historicamente ela é apenas uma forma que a classe dominante tem para gerir seus interesses.

Esquecem-se, às vezes de propósito e às vezes não, que foi na democracia norte americana que morreu George Floyd. Esta mesma democracia que muito antes de Trump já causou todo tipo de dominação e violência ao redor do globo e dentro de suas fronteiras. É a democracia dos países de capitalismo imperialista que, diante das necessidades e interesses do capital bélico (em especial no caso dos EUA) promovem guerras de rapina (anos 1950 Coreia; anos 1960-70 Vietnam; anos 1980-1990 Oriente Médio e América Latina; anos 1940-1990 Guerra ‘Fria’) a fim de manter sua elevada acumulação de capital. Foi na democracia (também) que o Estado brasileiro subjugou populações indígenas, ribeirinhas e quilombolas[4]. Foi na democracia que se prendeu Rafael Braga por portar uma garrafa de pinho sol e se aprovou a chamada lei “antiterrorismo”[5], que serve, basicamente, para reprimir de maneira mais eficiente os movimentos sociais que se busca criminalizar. É na democracia que se trabalha e morre sem o direito a tomar os meios de decisão de nossas vidas. Que interesse tem o proletariado em defender a democracia? Que benefício traz ao projeto revolucionário defender as instituições burguesas? Quando se prega aos quatro ventos o evangelho da “união de esquerda” e da “frente antifascista” esconde-se o fato de que, embora alguns interesses imediatos pareçam coincidir (não é do interesse do proletariado nem dos revolucionários um regime fascista), os objetivos concretos de tais frentes não apenas divergem daqueles dos revolucionários mas são antagônicos a eles. Em última instância aliar-se a estas organizações é aliar-se ao projeto burguês de sociedade, pouco importa se o discurso ideológico que adotam é mais moderado e revestido de liberalismo. Pouco importa também se os membros que compõe as frentes se auto intitulam “comunistas” ou “anarquistas”. É preciso ter em mente que quando se fala em fortalecer as “instituições democráticas” se está falando em fortalecer as instituições burguesas. Quando o objetivo é defender a democracia, se está a defender a sociedade capitalista. É essa mesma sociedade que irá combater com veemência qualquer tentativa revolucionária por parte do proletariado. Da mesma forma as frentes e uniões de esquerda combatem de toda maneira qualquer postura mais radicalizada de seus membros.

Precisamos romper com a lógica de olhar apenas o horizonte imediato, no qual tudo que se enxerga são aqueles que possuem, no momento, as ferramentas de dominação. Não há espaço para, apenas por causa das emoções que surgem diante dos absurdos do governo, abrir mão dos nossos interesses históricos, de um horizonte que aponte para outra sociedade, um horizonte revolucionário. É preciso mais do que nunca manter a crítica o mais radical possível, sem desviar para concessões reformistas. Realizar a defesa da democracia burguesa é abrir mão desse horizonte. Incentivar o proletariado e parte do bloco revolucionário a aderir a esta causa é trabalhar contra a superação desta sociedade, uma vez que se está trabalhando por sua manutenção. Não se trata de pensar que a classe proletária irá aderir ao projeto revolucionário em bloco de maneira imediata. Sabe-se dos limites do proletariado “em-si” que permanece subjugado pela ideologia burguesa e burocrática de nossos tempos. Também não se trata de desconsiderar as manifestações que surgem no Brasil como meras insurgências partidárias e reformistas. No momento o que ocorrem são revoltas espontâneas e organizadas sobre anseios comuns. Parte da população está revoltada, ainda que não tenha bem em mente contra o quê. Reconhecer os limites da consciência imediata do proletariado não significa negar o potencial concreto de sua elevação em classe autodeterminada (para-si) que será sempre uma possibilidade real enquanto existir capitalismo (consequentemente enquanto houver burguesia e proletariado). Cabe àqueles que defendem um projeto revolucionário justamente radicalizar e tencionar determinados setores, auxiliar na medida do possível o desenvolvimento deste processo. Isso inclui, também, abordar seu amigo e seu colega “antifascista” e dizer com todas as letras que ele está defendendo uma pauta conservadora. Não abrir mão da crítica e deixar claro quais os interesses por trás da ideologia do antifascismo, que é em última instância a manutenção da sociedade burguesa.

A luta contra o capital já é uma luta “antifascista”, na medida em que o fascismo é um fenômeno do capitalismo, mas ela também é uma luta “antidemocrática”. Há muito já dizia um velho barbudo alemão: “o poder executivo do Estado moderno não passa de um comitê para gerenciar os assuntos comuns de toda a burguesia”. Nosso interesse não é manter este comitê nem lutar pelos assuntos comuns da burguesia. Nosso interesse é de superar por completo essa sociedade, de instaurar a autogestão social.



[1] Os blocos sociais são determinadas formas mais organizadas e conscientes de parcelas de classes sociais distintas que possuem programas e interesses comuns. Gravitam em torno do conflito das duas classes fundamentais (proletariado e burguesia) mas não devem ser confundidos com as mesmas.

[2] O bloco revolucionário é formado pelos indivíduos mais avançados do proletariado e membros de outras classes sociais (geralmente as classes desprivilegiadas) que aderem ao projeto revolucionário do proletariado.

[3] “Igualdade, fraternidade e liberdade”. Slogan utilizado durante a revolução francesa cujo conteúdo se dá na defesa de supostos direitos universais que viriam a ser garantidos pela república, em contraposição à “tirania” dos monarcas. Trata-se, historicamente, de um discurso burguês.

[4] Destacam-se, entre tantos acontecimentos, a construção da barragem de Belo Monte e as remoções forçadas para a realização dos megaeventos esportivos (copa do mundo e olimpíadas).

[5] Tanto a prisão de Rafael Braga quanto a aprovação da lei antiterrorismo curiosamente ocorreram durante o governo petista, assim como a construção de Belo Monte e as remoções forçadas mencionadas anteriormente. Hoje a mesma esquerda que um dia participou dessa violência de estado conclama o combate ao fascismo.


terça-feira, 7 de julho de 2020

REFLEXÕES AUTOGESTIONÁRIAS 11: A IMPORTÂNCIA DA AUTOFORMAÇÃO PARA A CONVICÇÃO REVOLUCIONÁRIA





A importância da autoformação para a convicção revolucionária

Gabriel Teles

A Autogestão Social é o maior e mais belo projeto político empreendido na história da Humanidade. Essa utopia concreta, que aponta para a emancipação humana, nos leva a necessidade de transformar radicalmente a totalidade das relações sociais derivadas da atual sociedade capitalista na qual vivemos, fundada na divisão entre classes sociais. Trata-se de uma nova sociedade radicalmente distinta, com um outro modo de produção, outras formas sociais e uma outra maneira de se viver e expressar nossas verdadeiras potencialidades enquanto seres humanos.
Aquele que almeja essa nova sociedade, a aurora da humanidade, busca contribuir com o processo revolucionário que nos leve até ela. O denominamos de revolucionário. O revolucionário é aquele que, como bem disse Carlos Marques em “O que é ser revolucionário?[1], luta e busca concretizar o projeto autogestionário, acima de seus interesses individuais. Assim, o revolucionário vincula o seu projeto de vida ao projeto revolucionário; se liga, numa atitude de coragem e convicção, aos objetivos históricos da classe social que possui os interesses e potencialidade de efetivar a revolução social, o proletariado. Tal atitude não é fácil: ser revolucionário, numa sociedade que respira o ar pesado das ideias dominantes, significa remar contra a maré num frágil barco sem hastilhas. Em momentos não-revolucionários, ser revolucionário é lutar contra quase tudo e todos, inclusive consigo mesmo, com nossos interesses individuais que eventualmente podem se chocar com os interesses históricos que buscamos expressar. A convicção, então, é fundamental; e um revolucionário só pode sê-lo se tiver convicção daquilo que acredita.
A convicção revolucionária é radicalmente distinta de uma opinião[2]. Uma mera opinião  política é tão frágil que com uma simples oscilação do indivíduo ou do meio que o cerca (condições políticas, arrefecimento de uma luta que o indivíduo faz parte, etc.), pode ser desfeita e cessar. Em muitos casos, a anedota sobre os jovens é correta: incendiário na juventude e bombeiro em idade adulta. Quem não conhece aquele conhecido ou amigo que, quando jovem ou dentro de um processo de intensificação das lutas sociais, torna-se um ardente militante, mas tão logo passa a sua fase de ressocialização (determinação fundamental da juventude) ou as lutas esmorecem, ele volta a ter atitudes conservadoras, a taxar de radicais aqueles que ainda continuam na luta ou aprofundam a sua perspectiva revolucionária? Se o indivíduo em questão só possui uma mera opinião frágil sobre a necessidade de mudar o mundo, será necessária pouco vento para que ele debande para uma visão mais moderada ou até mesmo conservadora. Esse indivíduo, no máximo, vai à reboque dos sabores e dissabores da dinâmica das lutas de classe, podendo conjunturalmente se radicalizar ou tornar-se mais conservador de acordo os ventos do cotidiano capitalista. As opiniões, enfim, estão na superfície da mentalidade do indivíduo, não descortinam os elementos e determinações mais profundos da mentalidade.
Esse exemplo, definitivamente, não aponta para um caráter revolucionário necessário a uma pessoa que busca a transformação social. Isso, exige, como dissemos, convicção. A convicção pode ser fundamentada em diversos processos sociais: sentimentos, valores, interesses, razão, etc. Diferentemente da opinião, a convicção está no âmago do indivíduo, elas são as “opiniões entranhadas” nos dizeres de Fromm e Maccoby. Dado ao seu caráter sólido e estruturado, é um dos guias elementares de um indivíduo.
Um revolucionário, que sempre votou nulo ou absteve-se de votar por acreditar que a democracia burguesa faz parte do conjunto das relações sociais que contribuem na reprodução do capitalismo, não irá mudar a sua militância porque na eleição X ou Y está um candidato mais reacionário e outro mais democrático (a velha questão da escolha do mal menor). Independente de quem se candidatar, o revolucionário tem consciência que esse processo não irá contribuir para acelerar o processo revolucionário; não há concessões e ilusões com aquilo que só irá retardar ainda mais a necessária autonomização do proletariado e das demais classes inferiores. O que é o "mal menor", em luta política, senão o prolongamento de um período até que o "mal maior" vença? A aposta, consciente e militante, na transformação radical da sociedade é muito mais realista do que realismo presentista.
Tal aposta exige a mais estruturada e mais importante das convicções para quem almeja uma sociedade radicalmente distinta: a convicção racional. As convicções fundadas racionalmente estão ligadas aos interesses da verdade e correspondem a realidade concreta. Não se alinha ao presentismo, não se ilude com o imediatismo e recusa o conjunturalismo. Isso, exige, evidentemente, formação revolucionária, ou melhor dizendo, autoformação revolucionária.
Sem autoformação não há convicção revolucionária. É impossível intervir na realidade sem antes compreendê-la e analisá-la de maneira que fiquem claros os interesses conflitivos da sociedade. A convicção revolucionária, então, parte, necessariamente, da perspectiva do proletariado, um dos elementos fundamentais do materialismo histórico-dialético, a principal arma intelectual fornecida pelo marxismo (expressão teórica do movimento revolucionário do proletariado), para analisarmos a sociedade. A autoformação aponta para o desenvolvimento da consciência revolucionária do indivíduo, que contribui não só consigo mas com a sua intervenção nas lutas, seja de maneira organizada a partir de um coletivo ou individualmente. Essa autoformação se dá a partir da leitura, no interior das experiências práticas, lutas, discussões, etc. A sua manifestação mais desenvolvida é a teoria, que é expressão da realidade num universo conceitual que evidencia cada elemento constitutivo do real numa totalidade concreta. Quanto mais ela for desenvolvida, mais o movimento revolucionário como um todo tende a avançar e conseguir concretizar o seu processo.
Uma luta cultural efetiva só pode ser plenamente revolucionária se os indivíduos que a produzem estão armados pela crítica revolucionária e esta só pode ser adquirida a partir da autoformação, que contribui para conhecer a realidade concreta, suas tendências,  potencialidades, e os perigos das falsas promessas e ilusões dos que dizem estarem ao nosso lado (organizações burocráticas das mais diversas [partidos políticos, sindicatos, etc.], ideologias progressistas, etc.).
Assim, quanto mais temos elementos sobre a nossa realidade, mais a nossa prática política estará coerente e contribuirá com os fins revolucionários que nos propomos. Como bem disse Anton Pannekoek: a revolução não será o efeito de uma força física bruta, será sim uma vitória da consciência. Sem convicção revolucionária, não há práxis revolucionária. Somente a percepção e a convicção da necessidade de combater a sociedade desumanizada nos levará a humanização da sociedade.




[2] Sobre a distinção entre opinião e convicção, veja Cf. “Caráter Social de uma Aldeia” de Erich Fromm e Michael Maccoby e “As Representações Cotidianas e as Correntes de Opinião” de Nildo Viana (Cf. https://redelp.net/revistas/index.php/rel/article/view/293/227)