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quarta-feira, 30 de março de 2016

Para além da polarização burguesa! Pela alternativa autogestionária!


Para além da polarização burguesa!
Pela alternativa autogestionária!


O termo crise é recorrente na história de países subordinados como o Brasil. Crise econômica ou financeira, social, política e até “moral” (corrupção), como ressaltam alguns. O atual cenário nacional parece conjugar todas elas. Geralmente, as crises são encaradas como fenômenos que perturbam a rotina da vida cotidiana. Mas, no capitalismo, elas não chegam a se configurar como situações extraordinárias ou totalmente imprevisíveis, após séculos de ocorrências. Na verdade, verifica-se uma tendência a se tornarem cada vez mais frequentes, à medida que as possibilidades de expansão do espaço e dos meios de acumulação de capital se tornam mais restritas. Em qualquer sociedade e época em que ocorram os trabalhadores são os que mais sofrem com seus efeitos, mas nos países capitalistas subordinados as consequências são piores.

O fim do ciclo de expansão capitalista

Como explicar a atual crise brasileira e seus desdobramentos políticos? Em primeiro lugar, embora as crises econômicas ou mais restritamente financeiras sejam intrínsecas ao capitalismo, são raras as que possuem potencial para levar o modo capitalista de produção ao colapso definitivo. No capitalismo, podemos identificar dois tipos de crise: um é gerado pela oferta excessiva de mercadorias, que o mercado não consegue absorver devido à baixa renda da maioria dos consumidores, principalmente dos trabalhadores, e o outro resulta da crescente incorporação de tecnologias mais avançadas (trabalho morto ou capital constante) no processo produtivo, tendo como contrapartida a dispensa de força de trabalho (trabalho vivo ou capital variável), levando a uma queda na taxa de lucro, ao ponto de zerar. Em ambos os casos, as crises são motivadas pela competição entre os capitalistas, que, apesar de defenderem a liberdade de iniciativa e a livre concorrência (tal como na ideologia neoliberal), cada um tenta eliminar os demais, buscando monopolizar o mercado.

Embora o capitalismo se desenvolva na forma de regimes de acumulação, no percurso de cada regime ocorrem ciclos de desenvolvimento, incluindo os de expansão da acumulação, ideologicamente chamados pelos economistas de “períodos de crescimento econômico”. À medida que se sucederam os regimes de acumulação, as atribuições do Estado na garantia das condições necessárias à acumulação de capital foram se ampliando, ao ponto de se tornar imprescindível, não só à regularização das relações entre o capital e a força de trabalho, além do seu controle disciplinar por meio da repressão, mas também no financiamento das atividades econômicas. Atualmente, o capitalismo se encontra no regime de acumulação integral, iniciado por volta da década de 1980. Como nos demais, o Brasil se insere nesta fase na condição de país subordinado.

Entre 2004 e 2013, o capitalismo brasileiro passou por um ciclo de expansão com taxas de crescimento do produto interno bruto – PIB – cujos índices oficiais positivos variaram entre 1,9% e 7,5%, tendo sofrido uma queda de 0,1% em 2009 e atingido uma média anual de 4,04% nesses dez anos. Nesse período, o consumo das classes trabalhadoras apresentou um certo crescimento, sustentado por uma relativa estabilidade financeira, com índice médio de inflação anual de 7,1% (índice de preço ao consumidor amplo – IPCA – medido pelo IBGE), redução do desemprego e, mais importante, ampliação do crédito com o consequente aumento do endividamento de importante parcela dos trabalhadores.

Esse inusitado aumento do consumo das classes desprivilegiadas, que contou ainda com políticas de distribuição de renda estatal a famílias de trabalhadores mais pobres, por meio de programas sociais como “Bolsa Família”, além do incremento do consumismo das classes privilegiadas, serviu de estímulo para investimentos de capitalistas de origem nacional, geralmente financiados por bancos estatais (Banco de Desenvolvimento Econômico e Social, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil), e de capitalistas estrangeiros. A maior parte do investimento destes últimos em atividades produtivas se destina à indústria de bens de consumo duráveis, particularmente ao setor automobilístico. Entretanto, a maior parte do capital externo é aplicada na especulação, seja em ações de empresas nacionais seja em títulos da dívida estatal. Os capitalistas nacionais investiram, principalmente, no setor imobiliário e no comércio.

A ampliação do mercado interno na promoção do desenvolvimento da acumulação de capital derivou de duas situações: inicialmente, o aumento de recursos financeiros sob controle do Estado em decorrência da estabilidade da moeda nacional, o real, e da entrada de dólares advindos das exportações de produtos primários ou commodities (minérios e produtos agropecuários); num segundo momento, a crise financeira internacional, que se iniciou no setor imobiliário da economia norte-americana e se expandiu para vários países europeus, com restrições às exportações de bens de consumo nacionais.

Conforme já indicado, o Estado teve papel principal no estímulo à expansão da acumulação de capital no último período. Porém, os meios utilizados (créditos e redução de alguns tributos como o imposto sobre produtos industrializados – IPI) se esgotaram, a partir de 2014, devido aos crescentes déficits orçamentários e ao aumento da dívida estatal junto a credores privados (compradores de títulos da dívida pública). Enquanto durou essa curta fase de expansão, os capitalistas, mais do que os novos consumidores, fizeram a festa, apesar das expectativas de que poderia não durar por muito tempo. É importante assinalar que a indústria nacional de bens de consumo não foi a maior beneficiária da expansão do mercado interno. Algumas análises afirmam que ocorreu, ao contrário, um recuo da produção industrial. O aumento do consumo foi satisfeito, em parte, com produtos importados, principalmente da China, que era também a maior compradora dos produtos primários brasileiros.

Embora o governo petista encabeçado por Dilma Rousseff tenha demorado a admitir que o Estado já não podia mais oferecer os meios para manter o crescimento do PIB, as deficiências financeiras foram se tornando cada vez mais evidentes. Nessas circunstâncias, a diminuição do crédito e o crescente endividamento dos trabalhadores provocaram uma rápida redução do consumo e aumento da inadimplência. O que demonstra que, ao contrário da aparência, o tal crescimento econômico não levou a um aumento real da capacidade de consumo dos trabalhadores. Manteve, como se verifica em todo ciclo de expansão da acumulação de capital, a riqueza concentrada. Com isso, o pequeno e o médio capital entraram em dificuldade para se manter. Instalou-se a recessão.

Esgotado o ciclo de expansão, os pequenos proprietários e certos setores da burguesia, além de setores das classes privilegiadas não burguesas, inadequadamente denominadas “classes médias” (burocracia ou administradores empresariais, profissionais autônomos, dentre outros), passaram a manifestar seu inconformismo, primeiro, protestando contra o governo no espaço doméstico (“panelaços”), em seguida nos espaços públicos, realizando algumas manifestações com grande quantidade de pessoas (com presença de diversas classes sociais), tal como a de 13 de março. Mas, os setores mais organizados e conscientes desse grupo, ao invés de explicitar para todo o restante da sociedade os reais motivos do seu inconformismo, se apegam às denúncias contra a corrupção, criticando a incompetência do governo e, no caso de sua ala mais reacionária, a sua suposta orientação “socialista” ou “comunista”. Com as sucessivas revelações de esquemas de corrupção (“mensalão” e Petrobrás) constituídos por membros dos partidos que compõem a sustentação parlamentar do governo, em parceria com banqueiros e empresários, principalmente da construção civil, os inconformados consolidaram as críticas ao governo e passaram a defender de modo mais enfático o fim do mandato da atual presidente.

A polarização burguesa: Governistas e Antigovernistas

Nesse contexto, a chamada crise política se instaura. No fundo, desde as manifestações de 2013 vem ocorrendo um processo conjunto de deterioração da governabilidade burguesa expressa no governo Dilma. A crise de legitimidade da democracia burguesa acaba se confundindo com a crise de legitimidade deste governo. Uma parcela cada vez mais ampla da população mostra seu descontentamento com o governo. A emergência de novas forças políticas, reacionárias, ao lado dos partidos e posições mais estáveis no cenário político nacional, e a contestação espontânea da população se juntam às disputas político-partidárias pelo poder. O bloco dominante, expressão política mais organizada e consciente da classe capitalista e contando com apoio de parte das classes auxiliares, manteve suas disputas internas num grau de moderação que começou a ser rompido principalmente a partir de 2013.

As manifestações populares daquele ano permitiram a ruptura do falso consenso existente, tanto por mostrar que o governo Dilma não tinha uma base de apoio tão forte quanto se pensava, além de mostrar o descontentamento de grande parte da população, aliado à dificuldade crescente da acumulação de capital, o que vai se aprofundando nos anos seguintes. O resultado das eleições de 2014 mostrou um enfraquecimento da aliança estabelecida em torno do PT – Partido dos Trabalhadores – gerando uma forte ala oposicionista no bloco dominante, e que vai se fortalecer nos meses seguintes. As denúncias de corrupção e o pedido de impeachment acirraram ainda mais os ânimos dos dois campos do bloco dominante em disputa pelo poder estatal.

A incapacidade do governo em resolver o problema da crise financeira e o aprofundamento desta acabam fortalecendo a ala oposicionista do bloco dominante. Isso vai provocando um isolamento cada vez maior do governo, que perde aliados, incluindo setores do capital que antes lhe apoiavam, perde popularidade, perde até mesmo setores da ala governista que passam para a oposição. O isolamento progressivo do governo Dilma convive com a rearticulação do bloco dominante, que concentra na ala oposicionista o deslocamento das forças. A burocracia estatutária (aparato jurídico e repressivo), setores do capital, PMDB e outros partidos que eram da base governista, acabam passando para o lado oposicionista. Os meios oligopolistas de comunicação avançam no sentido de deteriorar a já abalada popularidade do governo e as manifestações de 13 de março só colocou nas ruas uma pequena parte dos descontentes. As manobras palacianas para se manter no poder a qualquer custo ficam cada vez mais restritas e o processo de impeachment ganha força.

É nesse contexto que emerge a nova manobra governista: uma vez que perde cada vez mais apoio no interior do bloco dominante apela para apoio popular – que dificilmente conseguirá em grande escala – e apoio do bloco progressista, os ditos “partidos de esquerda” e para uma maior mobilização dos setores cooptados e aparelhados, desde as velhas centrais sindicais até os grupos atrelados às políticas de identidade. Para efetivar isso, usa o estratagema discursivo de propagar o combate ao “golpismo” e “fascismo”. Esse estratagema discursivo busca aglutinar os setores progressistas da sociedade em apoio ao governo e desviar a atenção da população da crise financeira, corrupção e impeachment para um fantasma político inventado. A estratégia petista é ambígua por estar no governo e não poder “assustar” a classe dominante, no contexto de uma crise financeira, e ainda precisar apoio popular sem ter maior presença no interior das classes desprivilegiadas e para isso precisar do bloco progressista (especialmente os partidos de “esquerda”), que exige determinadas políticas que assustam a burguesia. O discurso do golpe e fascismo disfarça um pouco o caráter conservador da ala governista, mas o referido bloco também não tem muita força, fornecendo um apoio modesto. Os setores da juventude e intelectualidade que podem ser ponto de apoio, além dos já alinhados, também não é expressivo, pois o bloco revolucionário e a maior parte das classes desprivilegiadas também estão descontentes com o atual estado de coisas.

A polarização burguesa, ou seja, no interior do bloco dominante, que aparece sob a forma de PT versus PSDB e outras forças políticas apenas mantém a discussão no nível estatal e institucional. O PT busca transformar essa polarização entre “direita” e “esquerda” (assim como setores da ala oposicionista), inclusive gerando uma polarização secundária entre moralismo conservador (mais forte no âmbito religioso, com força parlamentar e social) e moralismo progressista (oriundo do multiculturalismo e política de identidades). Assim, o institucionalismo e o comportamentalismo servem para dividir a sociedade brasileira em dois grandes grupos, no fundo, duas alas do bloco dominante que expressam os interesses do capital. Essas duas polarizações, em que se disputam quem vai assumir o poder e ditar a moral, no interior do capitalismo, exclui a maioria absoluta da população, as classes desprivilegiadas, bem como a classe revolucionária de nossa época, o proletariado. Da mesma forma, isola as expressões políticas mais organizadas e coerentes do mesmo, o bloco revolucionário. No entanto, as classes desprivilegiadas continuam existindo, assim como sua insatisfação, bem como o bloco revolucionário, apesar de suas debilidades.

A alternativa autogestionária

É nesse contexto que o Movaut e o bloco revolucionário devem atuar. Um dos elementos fundamentais dessa atuação é romper com a polarização burguesa entre governistas e oposicionistas no âmbito da política institucional. Isso pressupõe manter a crítica a ambos os lados e aos que se aliam a um dos dois, bem como aos setores progressistas. Tanto faz se eles usam a roupa vermelha como disfarce, pois sua alma é burguesa. Além disso, é necessário realizar a crítica da ala semiproletária e ambígua dentro do próprio bloco revolucionário. Não é possível omitir a crítica a setores que se dizem “anarquistas”, “autonomistas”, entre outros nomes bonitos, mas que apoiam governos que promovem sistematicamente políticas contra os trabalhadores (corrosão de direitos trabalhistas e sociais) e contra o próprio bloco revolucionário (vide lei antiterrorismo). É fundamental, nessa crítica, deixar claro a necessidade de uma política proletária, anti-institucional, autônoma e independente. Nem com os governistas, nem com os oposicionistas! Contra a polarização burguesa e por uma nova polarização, de classe, ou seja, trabalhadores contra burguesia, tanto faz se sua máscara é vermelha ou verde-amarela.

Nesse sentido, é necessário ampliar a luta cultural e as ações junto às classes desprivilegiadas. A superação da polarização burguesa passa por um maior desenvolvimento da consciência e formas de auto-organização da população, especialmente do proletariado e trabalhadores desempregados e precarizados, bem como com os setores mais avançados da juventude. É preciso colocar para a população a possibilidade de superar tal polarização e para isso é fundamental deixar claro a existência da alternativa autogestionária.

Reforçar a luta dos trabalhadores e apontar para sua autonomização e abandono das ilusões reformistas, progressistas, governistas. O rompimento com as organizações burocráticas (Estado, partidos, sindicatos, entre outras) e o caminho da auto-organização, autoformação, luta direta, luta cultural. O chamado à greve autônoma e independente deve ser a palavra de ordem dos revolucionários de hoje, pois é somente na construção do movimento grevista que as classes trabalhadoras elaboram suas táticas de ação, criam seus próprios discursos, desenvolvem, portanto, sua consciência.

Nesse contexto, o Movaut declara que somente a luta pela autogestão social tem sentido e que sua possibilidade está dada, porquanto as explosões proletárias são imprevisíveis, mas geralmente ocorrem em épocas de crise, distúrbios, impasses, como a que vive atualmente a sociedade brasileira. No atual momento, a ampliação da luta sob as formas acima elencadas é o principal modo de contribuir com a formação da alternativa autogestionária como algo concreto e real.

Movimento Autogestionário
Março de 2016


Nem partidos, nem sindicatos! Auto-organização já!!
Nem PT, nem PSDB! Não à via parlamentar!!
Pela ação autônoma das classes trabalhadoras!!

Construir a greve geral!!!

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