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sexta-feira, 16 de março de 2018

REFLEXÕES AUTOGESTIONÁRIAS 02: AUTOGESTÃO SOCIAL E EDUCAÇÃO. CRÍTICA À ESCOLA DO TRABALHO BOLCHEVIQUE. OS LIMITES DE MOISEY PISTRAK


Ricardo Golovaty

Moisey Pistrak[1] elaborou sua concepção de escola politécnica baseando-se na ideologia (falsa consciência sistematizada) do “período de transição” de Lenin. Fato deveras problemático, seja pelo debate sobre educação e revolução, seja pela atualidade conferida ao autor no Brasil.[2]

Qual é, portanto, a herança de Pistrak à questão da educação, escolarização e revolução?

Pistrak desenvolveu suas posições em meio às disputas dos intelectuais e burocratas bolcheviques sobre os rumos da Rússia pós-revolucionária (e contrarrevolucionária). As suas noções de instrução politécnica ou politecnia e auto-organização escolar forneciam a base de uma educação voltada para a formação ampla, do desenvolvimento técnico, científico e político.

Pistrak limitou-se a encontrar nos grupos de pioneiros e na juventude comunista, ligados aos bolcheviques, as bases de tal democratização da burocracia escolar.

Pistrak aceitou construir sua proposta politécnica nas necessidades imediatas da acumulação de capital e desenvolvimento das forças produtivas, ou seja, da formação, em curto período de tempo, de técnicos e de operários. Daí sua relação contraditória com o taylorismo, do qual acreditava, ingenuamente, poder depurar os elementos da dominação da gestão capitalista do trabalho, concentrando-se apenas nos elementos da racionalização. Uma ideologia, portanto.

Quanto ao nosso momento, ele não se dá num processo de contrarrevolução burocrática, contudo, a burocracia é a alma da escola burguesa. Seja nas chamadas escolas públicas (na verdade, estatais), seja nas escolas privadas, técnicas ou propedêuticas, a escola é o “paraíso da burocracia”, como afirmava Maurício Tragtenberg. As relações de poder são permeadas pela desigualdade. Há separação nítida entre planejamento e execução. Mesmo o corpo docente, que possui, dependendo do local de trabalho, maior ou menor possibilidade de autonomia no arranjo de seu trabalho, está constantemente amarrado às avaliações externas, conteúdos (ementas), formas de avaliação dos estudantes formatadas pela instituição, etc. Quanto ao corpo administrativo da escola, encontramos o cenário, delineado na primeira parte, da migração (e gratificação financeira, política, social) do intelectual para o burocrata, do professor ao gestor, consolidando formas de manutenção e rodízio do poder (reitorias, diretorias, chefias, coordenações) em disputas interburocráticas que expressam como diferentes grupos lutam no interior de determinada instituição.

A burocracia como classe social faz parte da luta de classes. A classe burocrática é contrarrevolucionária. Seja na sua expressão como classe auxiliar da burguesia, seja na sua expressão radicalizada, com desejo de autonomizar-se, como é o caso da ideologia bolchevique – o que explica parte da crescente produção acadêmica sobre os pedagogos russos ou soviéticos, ou seja, a radicalização que se apresenta como revolucionária, contudo, objetivando a conquista do poder do estado.

Neste cenário, quais são as posições, os enfrentamentos, que o militante autogestionário deve realizar, como trabalhador da educação? O militante autogestionário reconhece a escola como espaço da luta cultural e política. Contudo, a ideia de busca de hegemonia em instituições de educação (escolas, Institutos Federais, Universidades), sobretudo pela tão propalada tese da “contra-hegemonia” interna, típica de burocratas, em busca de cargos, não é coerente. A luta cultural e política se dá pela crítica radical do estado, das instituições, do modo de produção capitalista e da burocracia. Nesse sentido, a militância autogestionária pode estar na escola, contudo, não é ingênua e reconhece que precisa revolucionar a totalidade de instituição escolar com vistas à totalidade da sociedade capitalista.


Ao militante autogestionário cabe a ação no interior do espaço de trabalho pela crítica radical e pela demonstração da possibilidade de outra forma de sociedade, sobretudo, em momentos de radicalização da luta de classes ou das lutas na instituição escolar.




[1] Moisey Mikhailovich Pistrak nasceu em 1888, sendo preso e assassinado em 1937. Não há grandes informações sobre sua trajetória política e intelectual. Formou-se em Físico-Matemática no ano de 1914 e era doutor em Ciências Pedagógicas. Outras informações já decorrem de sua atuação após 1917. Em 1918 ingressou no Comissariado Nacional de Educação, o NarKomPros, quando trabalhou na Escola-Comuna Experimental-Demonstrativa Lepechinskiy. No mesmo ano em que ingressa no Partido Comunista publica Fundamentos da escola do trabalho. Outros dados são de 1931, quando atua no Instituto de Pedagogia do Norte do Cáucaso e 1936, quando se torna diretor do Instituto Central de Pesquisa Científica de Pedagogia, ligado ao Instituto Superior Comunista de Educação, órgão do PCUS.

[2] Recentemente, com a edição de parte de suas obras, até então inéditas por aqui, ao lado da publicação de outros pedagogos e ideólogos bolcheviques, como Viktor Shulgin (1894-1965) e Nadezhda Krupskaya (1869-1939). Referimo-nos aos seguintes livros: PISTRAK, Moisey. Fundamentos da Escola do Trabalho. São Paulo: Expressão Popular, 2011. PISTRAK, Moisey. (org). A Escola-Comuna. São Paulo: Expressão Popular, 2013. PISTRAK, Moisey. Ensaios sobre a Escola Politécnica. São Paulo: Expressão Popular, 2015. SHULGIN, Viktor. Rumo ao politecnismo (artigos e conferências). São Paulo: Expressão Popular, 2013. KRUPSKAYA, Nadezhda. A construção da Pedagogia Socialista. São Paulo: Expressão Popular, 2017. Nossa síntese crítica aos estudos publicados no Brasil, sobretudo da área de Educação/Pedagogia, sobre parte desses autores, se encontra na terceira nota de rodapé do artigo GOLOVATY, Ricardo. A pedagogia socialista de Moisey Pistrak no centenário da revolução russa: contribuição pelo olhar da história e da sociologia da educação, In: História e Cultura. Unesp, Franca, v.6, n.1, março 2017, p.213-240.

[a íntegra do artigo será lançada em breve, na revista Enfrentamento] 




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