Reflexões Autogestionárias 05:
SOBRE
O PRESENTISMO
Rubens Vinicius da Silva
Na sociedade contemporânea, o apego acrítico à conjuntura e
o presentismo dela decorrente constrangem até os indivíduos mais avançados a
tomarem posição diante dos recentes e fugazes acontecimentos do dia a dia.
Ninguém quer ficar de fora das polêmicas do momento: sejam elas quais forem,
tais como a questão da cura gay e da criação de um estado na região da
Catalunha. Afinal de contas, há que ser ''críticos'', não é verdade?
Contudo, o que se
percebe é uma enxurrada opiniões eivadas de preconceitos e a consequente falta
de estudos rigorosos, a partir de concepções alicerçadas numa perspectiva de
classe definida e coerente.
Pois bem: isto tudo apenas evidencia a força das ideias,
mentalidade, valores, representações e ideologias dominantes, expressando a renovação
da hegemonia burguesa. Os meios oligopolistas de comunicação contribuem
sobremaneira para impedir e combater toda e qualquer crítica autêntica, que vá
à raiz do problema: a totalidade das relações sociais e de produção burguesas.
Neste sentido, vale tudo para desviar o foco essencial da
luta de classes, da acumulação de capital e da tendência (que existe e deve ser
reforçada, embora seja marginalizada e combatida com avidez pelos capitalistas
e suas classes auxiliares) de superação radical do capitalismo. O presentismo e
o conjunturalismo predominam e se manifestam no plano nacional e internacional,
na dinâmica dos movimentos sociais e classes sociais, bem como nas elaborações
intelectuais. No primeiro caso, temos a recusa do passado e também do futuro,
pautada na despreocupação com a necessidade de ruptura radical, a qual se apoia
na negligência do projeto revolucionário: a falta da alternativa
revolucionária, no caso da tendência presentista, aponta para a fixação do
cotidiano, a aceitação acrítica do conjunto das relações sociais capitalistas,
eternizando-as sob o manto de afirmações que nada explicam, tais como “a
prática é o critério da verdade”...
Os adeptos do presentismo aceitam e defendem as mudanças
legais, institucionais, justificam as alianças com a classe dominante e suas
classes auxiliares, as políticas estatais (que apenas reproduzem em escala
ampliada as relações de exploração e dominação de classe). Nada de ruptura
revolucionária: o que importa é o ‘dá pra fazer no momento’, leia-se o que é
possível fazer para nada transformar radicalmente.
Já o conjunturalismo é o reforço do presentismo: trata-se de
fetichizar a tão famosa ‘conjuntura’, negando a historicidade dos fenômenos
sociais e realizando uma simples descrição dos fenômenos ou acontecimentos (em
geral, aqueles vinculados à política institucional burguesa). Sem dúvida, é
necessário analisar a dinâmica da sociedade contemporânea: contudo, não se
trata de ficar nos limites da conjuntura e sim entender que a repetição da
mesma é na verdade a reprodução do cotidiano, ou seja, das relações sociais
capitalista na sua totalidade. Assim, é necessário partir da crítica da
conjuntura e ir além dela, o que remete para a questão fundamental: a
necessidade da defesa de um projeto alternativo de sociedade.
Assim, no primeiro plano, a nova onda do momento passa pela
defesa de pseudoliberdades individuais (num conjunto de relações sociais
marcadas pela exploração, dominação e alienação generalizadas, onde o combate
estéril fica na maioria das vezes preso aos limites da ciência versus teologia,
duas das principais formas de pensamento complexo a serviço da reprodução e
regularização deste modo de produção). Se os problemas que se generalizam em
nossa sociedade são produtos históricos e sociais, as falsas soluções
individuais, além de não apontarem para a transformação social radical acabam
por reforçar o cotidiano e a sociedade atual, fortalecendo o que dizem
combater.
Já no segundo, tem-se o resgate de um nacionalismo caduco
(que negligencia que toda forma de estado é produto da sociedade de classes):
como se a criação de um novo estado ou organização burocrática fosse a salvação
para a superação da exploração capitalista. Ainda mais num contexto de
neoliberalismo, acirramento de conflitos, ressurgimento de novas formas de
organização e aumento da miséria em todas as suas manifestações...
Desse modo, o resgate e defesa de um projeto alternativo e
revolucionário de sociedade, aliado à crítica radical do presente, (ou seja, da
conjuntura, muito além de uma simples análise) não é apenas um dos pontos a ser
colocados no debate: expressa a única forma de superação real e concreta destas
e de outras tantas ilusões fomentadas e reproduzidas em nossa sociedade.
Inclusive por indivíduos que buscam expressar uma perspectiva proletária
autêntica.
A ‘crítica’ não alicerçada num projeto de transformação
radical da sociedade é uma crítica vazia e contemplativa, revelando uma
pseudocrítica que aponta para mudanças pontuais que nada mudam, ou melhor,
conservam as relações desumanas e inautênticas que constituem a sociedade
atual. Assim, a verdadeira função da crítica revolucionária não é apontar
mudanças dentro da ordem burguesa, ou comentar sobre suas distintas formas de
manutenção. É demonstrar como o cotidiano, a conjuntura e o presentismo deles
decorrente são mais uma expressão desta sociedade. Como bem colocou Marx:
- "A crítica não arranca as flores imaginárias dos grilhões para que o homem suporte os grilhões sem fantasia e consolo, mas para que se livre delas e possam brotar as flores vivas."
- Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel [1843-1844].
Desse modo, ao invés de compactuar com a sociedade do
presente e sua conjuntura, o fundamental e urgente é apresentar uma alternativa
de superação total do conjunto de suas relações sociais. Isso só é possível com
a defesa do projeto autogestionário, que parte da necessidade de ir além do que
existente e cuja força material é o proletariado, a classe revolucionária de
nosso tempo.
Somente a partir da autogestão das lutas por esta classe, aliadas
à defesa da autogestão social por membros de outras classes e grupos sociais
que partilham do mesmo projeto terão a possibilidade real e concreta de
abolição do presentismo e do conjunturalismo, expressões da sociedade capitalista.
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