quarta-feira, 2 de maio de 2018

Reflexões Autogestionárias 05: Sobre o Presentismo

Reflexões Autogestionárias 05:


SOBRE O PRESENTISMO

Rubens Vinicius da Silva


Na sociedade contemporânea, o apego acrítico à conjuntura e o presentismo dela decorrente constrangem até os indivíduos mais avançados a tomarem posição diante dos recentes e fugazes acontecimentos do dia a dia. Ninguém quer ficar de fora das polêmicas do momento: sejam elas quais forem, tais como a questão da cura gay e da criação de um estado na região da Catalunha. Afinal de contas, há que ser ''críticos'', não é verdade?

 Contudo, o que se percebe é uma enxurrada opiniões eivadas de preconceitos e a consequente falta de estudos rigorosos, a partir de concepções alicerçadas numa perspectiva de classe definida e coerente.

Pois bem: isto tudo apenas evidencia a força das ideias, mentalidade, valores, representações e ideologias dominantes, expressando a renovação da hegemonia burguesa. Os meios oligopolistas de comunicação contribuem sobremaneira para impedir e combater toda e qualquer crítica autêntica, que vá à raiz do problema: a totalidade das relações sociais e de produção burguesas.

Neste sentido, vale tudo para desviar o foco essencial da luta de classes, da acumulação de capital e da tendência (que existe e deve ser reforçada, embora seja marginalizada e combatida com avidez pelos capitalistas e suas classes auxiliares) de superação radical do capitalismo. O presentismo e o conjunturalismo predominam e se manifestam no plano nacional e internacional, na dinâmica dos movimentos sociais e classes sociais, bem como nas elaborações intelectuais. No primeiro caso, temos a recusa do passado e também do futuro, pautada na despreocupação com a necessidade de ruptura radical, a qual se apoia na negligência do projeto revolucionário: a falta da alternativa revolucionária, no caso da tendência presentista, aponta para a fixação do cotidiano, a aceitação acrítica do conjunto das relações sociais capitalistas, eternizando-as sob o manto de afirmações que nada explicam, tais como “a prática é o critério da verdade”...

Os adeptos do presentismo aceitam e defendem as mudanças legais, institucionais, justificam as alianças com a classe dominante e suas classes auxiliares, as políticas estatais (que apenas reproduzem em escala ampliada as relações de exploração e dominação de classe). Nada de ruptura revolucionária: o que importa é o ‘dá pra fazer no momento’, leia-se o que é possível fazer para nada transformar radicalmente.

Já o conjunturalismo é o reforço do presentismo: trata-se de fetichizar a tão famosa ‘conjuntura’, negando a historicidade dos fenômenos sociais e realizando uma simples descrição dos fenômenos ou acontecimentos (em geral, aqueles vinculados à política institucional burguesa). Sem dúvida, é necessário analisar a dinâmica da sociedade contemporânea: contudo, não se trata de ficar nos limites da conjuntura e sim entender que a repetição da mesma é na verdade a reprodução do cotidiano, ou seja, das relações sociais capitalista na sua totalidade. Assim, é necessário partir da crítica da conjuntura e ir além dela, o que remete para a questão fundamental: a necessidade da defesa de um projeto alternativo de sociedade.  

Assim, no primeiro plano, a nova onda do momento passa pela defesa de pseudoliberdades individuais (num conjunto de relações sociais marcadas pela exploração, dominação e alienação generalizadas, onde o combate estéril fica na maioria das vezes preso aos limites da ciência versus teologia, duas das principais formas de pensamento complexo a serviço da reprodução e regularização deste modo de produção). Se os problemas que se generalizam em nossa sociedade são produtos históricos e sociais, as falsas soluções individuais, além de não apontarem para a transformação social radical acabam por reforçar o cotidiano e a sociedade atual, fortalecendo o que dizem combater.

Já no segundo, tem-se o resgate de um nacionalismo caduco (que negligencia que toda forma de estado é produto da sociedade de classes): como se a criação de um novo estado ou organização burocrática fosse a salvação para a superação da exploração capitalista. Ainda mais num contexto de neoliberalismo, acirramento de conflitos, ressurgimento de novas formas de organização e aumento da miséria em todas as suas manifestações...

Desse modo, o resgate e defesa de um projeto alternativo e revolucionário de sociedade, aliado à crítica radical do presente, (ou seja, da conjuntura, muito além de uma simples análise) não é apenas um dos pontos a ser colocados no debate: expressa a única forma de superação real e concreta destas e de outras tantas ilusões fomentadas e reproduzidas em nossa sociedade. Inclusive por indivíduos que buscam expressar uma perspectiva proletária autêntica.

A ‘crítica’ não alicerçada num projeto de transformação radical da sociedade é uma crítica vazia e contemplativa, revelando uma pseudocrítica que aponta para mudanças pontuais que nada mudam, ou melhor, conservam as relações desumanas e inautênticas que constituem a sociedade atual. Assim, a verdadeira função da crítica revolucionária não é apontar mudanças dentro da ordem burguesa, ou comentar sobre suas distintas formas de manutenção. É demonstrar como o cotidiano, a conjuntura e o presentismo deles decorrente são mais uma expressão desta sociedade. Como bem colocou Marx:

  • "A crítica não arranca as flores imaginárias dos grilhões para que o homem suporte os grilhões sem fantasia e consolo, mas para que se livre delas e possam brotar as flores vivas." 
  • Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel [1843-1844].


Desse modo, ao invés de compactuar com a sociedade do presente e sua conjuntura, o fundamental e urgente é apresentar uma alternativa de superação total do conjunto de suas relações sociais. Isso só é possível com a defesa do projeto autogestionário, que parte da necessidade de ir além do que existente e cuja força material é o proletariado, a classe revolucionária de nosso tempo.

Somente a partir da autogestão das lutas por esta classe, aliadas à defesa da autogestão social por membros de outras classes e grupos sociais que partilham do mesmo projeto terão a possibilidade real e concreta de abolição do presentismo e do conjunturalismo, expressões da sociedade capitalista.

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