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QUEM SERVE O ANTIFASCISMO?
Jaciara Veiga
Mateus Alves
Mateus Alves
Eis que ressurge o monstro chamado fascismo e,
consequentemente, seu produto, aquele que busca combatê-lo: o antifascismo.
Estamos sob ameaça de uma ditadura e não podemos subestimá-la,
portanto, ser antifascista é urgente — clamam os defensores da democracia em
“perigo”. O antifascismo volta à moda. Até mesmo aqueles que não sabem
realmente do que se trata, se denominam antifascista. Muitas pessoas estão
sendo rotuladas de fascistas: em especial, por aqueles que estão vendo fascismo
em todo e qualquer fenômeno. O termo fascista foi despolitizado e tornou-se um
chavão que frequentemente tem sido utilizado como arma na disputa política
institucional, num jogo cujo objetivo nada mais é que impedir toda e qualquer
forma de autonomização do proletariado, mantendo-o na dinâmica da reprodução
ampliada do capital.
Nesse jogo, vale tudo. Utiliza-se da manipulação de
sentimentos das classes inferiores, onde o medo, o ódio, a defesa da nação
reforçam a adesão à ideia do monstro fascismo. Deste modo, somos encorajados a
combater o inimigo fascista na defesa da nossa tão “igualitária” democracia. De
fato, a ignorância e o medo podem nos levar à cegueira e, por conseguinte, à
adesão daquilo que nem se quer sabemos definir. Sendo assim, é até possível ignorar que o
interesse da classe dominante é a manutenção de sua dominação sob qualquer
forma, seja em um regime político democrático ou ditatorial, bem como o que
determina se a burguesia optará por uma das duas formas é a dinâmica das lutas
de classes e a perda de sua hegemonia no conjunto da sociedade.
Para combater determinado fenômeno é necessário,
antes de tudo, saber do que se trata o mesmo. Logo, a pergunta a ser feita é se
sabemos o que estamos combatendo. Afinal de contas, o que é fascismo?
O fascismo [1] é um movimento político, ou seja,
uma expressão política de classe (ou conjunto de classes, alianças de classes
etc.); é caracterizado por ser um nacionalismo expansionista, integralista e
totalitário; busca um estado forte, orgânico, sustentado por uma base
policlassista. Ele não é um fenômeno universal, que emerge em qualquer contexto,
sob qualquer forma; é uma forma histórica do capitalismo, não é um movimento
destituído de historicidade e produzido arbitrariamente.
O fascismo é um produto do capitalismo. Ele surge
em momentos de crise de um regime de acumulação [2], nos países imperialistas
ou potencialmente imperialistas, num contexto de recuo e derrotas do movimento
operário. O fascismo é, portanto, uma forma política específica e determinada
utilizada pela classe dominante em alguns países de capitalismo imperialista.
Seu caráter de classe é burguês, assentado numa burocracia forte (partidária,
mas principalmente num estado forte, integral, totalitário), que satisfaça suas
necessidades.
O fascismo (enquanto movimento político e forma
estatal) desapareceu. Contudo, o uso banalizado do termo no capitalismo
contemporâneo é marcado pela suposta reemergência deste fenômeno. Com certeza, tal
utilização não tem relação alguma com o que se passou no contexto da luta de
classes na Itália durante as décadas de 1920 e 1930. Para ser fascismo
necessitaria possuir seus elementos essenciais supracitados. Sendo assim,
podemos dizer que o atual governo brasileiro é fascista?
De acordo com determinadas representações cotidianas
[3] e algumas representações ilusórias [4] acerca do governo Bolsonaro — que se
baseiam no comportamento de um indivíduo, no caso, o próprio Bolsonaro — estamos
sim sob um governo fascista. Esse discurso tem sua origem nas eleições de 2018
onde, para surpresa e descontentamento de muitos, se deu sua vitória. Todavia,
esse discurso não foi totalmente superado e voltou à tona. Apesar de o Brasil
ser um país de capitalismo subordinado, sem nenhuma base imperialista, o
presidente é considerado fascista, e logo, o seu governo também.
Dizer que o atual governo é fascista demonstra, de
um lado, a ausência de criticidade por parte de indivíduos que desconhecem esse
fenômeno e apenas reproduzem tal discurso e, por outro, o oportunismo daqueles
que buscam reproduzir essa sociedade, seja lá qual for a forma, se pela via
democrática ou pela via ditatorial. O governo Bolsonaro [5] é um governo
neoliberal, subordinado aos países imperialistas. Por mais que o presidente,
alguns setores do seu governo e parcelas da sociedade demonstrem desejar romper
com o “estado democrático”, isso não é suficiente para afirmar que o mesmo seja
fascista, faltam diversos elementos para que se configure um governo realmente
fascista. Logo, um movimento que se denomina antifascista combate, na verdade,
uma caricatura mal feita do fascismo.
O antifascismo não está livre da determinação dos
interesses de classe, pois, nas sociedades classistas, os interesses e a
consciência dos seres humanos são determinados pela sua posição (e em como
enxergam sua posição) na divisão social do trabalho. Na sociedade contemporânea
existem diversas classes sociais que apresentam interesses fundamentais
distintos e até antagônicos que se manifestam por meio da luta de classes.
Então, torna-se essencial refletir quais interesses são expressos pelo
antifascismo e como a luta de classes se manifesta concretamente em seu
ressurgimento no atual cenário político brasileiro.
Como
já mencionado anteriormente, o governo Bolsonaro não é fascista, mas apesar
disso, os antifascistas combatem o atual governo qualificando-o como tal. Esta
caracterização ofusca a consciência dos indivíduos acerca da realidade, pois
apresenta a mera mudança de governo como solução para a insatisfação de parte
das classes inferiores em relação às políticas estatais. E, além disso, esconde
os interesses do estado pela reprodução do capitalismo. As ações do governo
Bolsonaro são determinadas, em última instância, pelos interesses da burguesia
em manter o próprio capitalismo. Qualquer outro governo, da mesma forma que o
atual, deve efetivar políticas estatais que correspondam às necessidades da
acumulação de capital. Portanto, o limite intransponível do antifascismo é a
mera mudança de um governo conservantista para um governo progressista, isto é,
um governo que atende algumas exigências mínimas das classes inferiores com o
único objetivo de estabilizar a acumulação de capital.
Não é surpresa que parte do bloco progressista
(partidos social-democratas, partidos leninistas, alguns intelectuais, etc.) [6]
se contorça de prazer quando conseguem apoio de parte da sociedade em torno do antifascismo,
uma vez que ganham mais força política para conseguir concretizar seu principal
interesse: ascender ao poder estatal. Também não é surpresa que as manifestações,
textos, manifestos antifascistas sejam defendidos por alguns partidos, alguns
intelectuais, e algumas organizações mobilizadoras dos movimentos sociais de
tendência progressista.
No entanto, o bloco progressista necessita, em
decorrência da própria fragilidade, do apoio de outros setores da sociedade
para conseguir satisfazer seu próprio interesse e, ao mesmo tempo, não pode revelar
toda a verdade para as classes inferiores, correndo o risco delas se rebelarem.
Assim, nada mais oportuno que, em um momento de fragilidade do governo Bolsonaro,
ressurja o antifascismo que consegue enfraquecer o atual governo, e
simultaneamente legitimar e reforçar o bloco progressista e suas principais
ideologias como o reformismo, para enfim, ter apoio e condições de conquistar o
poder estatal.
Então, se o antifascismo não é capaz de expressar
os interesses fundamentais do proletariado revolucionário e, na verdade, ressurge
como expressão do oportunismo do bloco progressista, diante da conjuntura atual,
para enfraquecer tão somente o governo Bolsonaro com o objetivo de trocá-lo por
outro, resta-nos saber a posição dos revolucionários sobre esta questão.
Os revolucionários não se interessam pela conquista
do poder estatal ou mesmo em quem o assumiu ou assumirá. Não nos interessa
também quais são as políticas estatais que se efetivarão para atender as
necessidades da acumulação de capital, mantendo os trabalhadores ainda sob o
julgo da exploração e dominação. O que nos interessa é a abolição total do
estado simultaneamente com a abolição do modo de produção capitalista e de
todas as outras formas sociais determinadas por ele, isto é, queremos a
abolição total das relações sociais capitalistas em prol de uma sociedade onde
as relações sociais atendam às necessidades humanas, bem como estimulem as suas
potencialidades. Em outras palavras, este é o projeto autogestionário que visa
uma sociedade autogerida.
A adesão ao antifascismo significaria trilhar um
caminho que nos levaria em direções contrárias ao nosso destino. Significaria
realizar uma série de concessões contrarrevolucionárias, que não representam um
passo rumo à abolição do capitalismo e da concretização do projeto autogestionário,
mas sim o oposto, significaria reforçar e legitimar ideologias como o reformismo,
progressismo, estatismo etc.
Para concretizar o projeto autogestionário são
necessários meios adequados, isto é, deve existir uma unidade entre meios e
fins. Então, para isso, insistimos que o fundamental é ainda a velha máxima do
Manifesto Comunista: a associação dos trabalhadores visando sua
autoemancipação. Dessa maneira, é necessário criticar todas as ideologias,
concepções etc. que ofuscam a realidade e impedem uma consciência revolucionária.
A adesão ao antifascismo é um obstáculo que impede o proletariado
revolucionário de trilhar seu caminho rumo a uma sociedade autogerida.
Notas:
[1] Sobre o fascismo, veja: https://informecritica.blogspot.com/…/o-que-e-o-fascismo.ht…
[2] O regime de acumulação é a forma que o capitalismo
assume durante o seu desenvolvimento, mantendo sua essência. É marcado por
determinada forma de organização do trabalho, determinada forma estatal e
determinada forma de exploração internacional, manifestando, portanto, um
determinado estágio da luta de classes. Sobre regimes de acumulação: O capitalismo na era da acumulação integral,
Nildo Viana; O regime de acumulação integral: retratos do capitalismo
contemporâneo, Felipe Mateus (org.).
[3] As representações cotidianas são formas de
representar o mundo em nossa cotidianidade, reproduzindo suas características
(simplicidade, regularidade e naturalidade). Estas representações podem ser
ilusórias, mas também verdadeiras. Sobre representações cotidianas, ver: Senso comum, representações sociais e
representações cotidianas, de Nildo Viana.
[4] A titulo de exemplo, temos o discurso de alguns
representantes do bloco progressista como Fernando Haddad: “Quando superarmos a
ameaça fascista e garantirmos a preservação do Estado de Direito, se dará a
verdadeira disputa democrática, entre diferentes times e sonhos. Espero que sem
trapaça desta vez" (https://www.brasil247.com/poder/haddad-defende-manifestos-e-frentes-popular-e-antifascista). E também de Boulos: “Não
basta assinarmos manifestos unitários, que julgo importantes, aliás, subscrevi
todos. Mas a hegemonia fascista, mesmo minoritária, se afirma nas ruas. Foi
assim com os Camisas Negras de Mussolini e com as milícias hitleristas. Poderia
ter sido assim com os integralistas de Plinio Salgado no Brasil se os
comunistas não os tivessem enxotado das ruas. Se normalizamos gente defendendo
AI-5 e agredindo opositores, jornalistas e enfermeiras em praça pública, daqui
a pouco não teremos condições de dar as caras” (https://www.brasil247.com/brasil/boulos-mtst-e-povo-sem-medo-estarao-nas-ruas-no-domingo). Pode-se observar tanto a
manipulação de sentimentos por meio da “ameaça fascista” quanto a tentativa de
canalizar as lutas do proletariado para as disputas da política institucional
(“disputa democrática”).
[5] Sobre o governo Bolsonaro: https://informecritica.blogspot.com/…/para-aonde-vai-o-gove…
[6] Sobre blocos sociais: https://redelp.net/revistas/index.php/enf/article/view/960