AS ELEIÇÕES BRASILEIRAS DE 2022 E A
MISÉRIA DA POLÍTICA INSTITUCIONAL
Rubens Vinícius da Silva*
As eleições para o próximo
presidente do Brasil chegam ao fim no próximo domingo dia 30 de outubro.
Importante iniciar este breve texto relembrando que vença quem vencer, nada
muda no interior das fábricas, das escolas, das oficinas, das lojas e dos escritórios:
somente formas de auto-organização do proletariado e demais setores
contestadores em conjunto com um projeto de superação radical do capitalismo
expressam a real alternativa diante da barbárie atual que é a sociedade
burguesa mundo afora.
Ainda assim, as eleições
presidenciais no Brasil de 2022 motivam a irracionalidade, se pautam no
moralismo e, para piorar, as correntes de opinião predominantes se fundam em
polarizações cada vez mais distantes de uma análise séria, rigorosa e
efetivamente crítica da realidade social brasileira. Estamos diante de um
cenário da política institucional (burguesa) extremamente miserável: as duas
principais candidaturas colecionam casos de assédio eleitoral, notícias falsas,
oposição bem e mal tipicamente maniqueísta e ausência de formação política
básica.
Dados os limites de espaço,
destacaremos uma face deste cenário lastimável: o dito comunismo petista e o
tal fascismo bolsonarista. Do lado dos conservantistas extremados, há quem diga
que Lula e o PT irão instalar uma ditadura comunista no país. Para os
progressistas mais fanáticos, Bolsonaro e o PL conduzirão o Brasil rumo ao
fascismo – ou já estaríamos diante dele, para alguns ainda mais imaginativos...
Desta feita, responderemos às duas seguintes perguntas, formuladas em letras
garrafais:
EXISTE ALGUMA CHANCE DE O PT
INSTAURAR UMA DITADURA COMUNISTA NO BRASIL?
Não.
A sociedade brasileira é capitalista, fundada em relações de exploração e
dominação de classe e na ditadura oculta do capital. O comunismo não é um ideal
a ser implantado, forçosamente e por decreto, à realidade. O comunismo é
produto do movimento real da classe proletária (e seus aliados) expressando
seus interesses históricos, vinculados à superação radical das relações de
produção capitalistas, cuja dinâmica tende a abolir o conjunto das relações
sociais burguesas e sua premissa é a autonomização do proletariado. Além disso,
é importante diferenciar que o comunismo de Marx significa o autogoverno dos
produtores, a autoemancipação do proletariado que mediante a generalização de
associações revolucionárias abole suas cadeias radicais: tal processo implica
na superação do trabalho alienado, do salariato, do Estado, da divisão social
do trabalho, etc., resultando numa nova sociedade, radicalmente distinta e baseada
na superação da divisão social do trabalho, no fim das classes sociais e, por
conseguinte, de todas as relações de exploração e dominação de classe. O termo
comunismo está inserido na luta de classes e é alvo de deturpações e
apropriações por outras classes que não o proletariado. Além da deformação
burguesa, o comunismo foi historicamente apropriado pelo bolchevismo russo[1],
cuja contrarrevolução burocrática de 1917 destruiu a autêntica experiência
revolucionária dos sovietes (conselhos operários, em russo), que já em 1905 se
constituíram enquanto formas de auto-organização do proletariado e demais
setores contestadores. Lênin e os bolcheviques implantaram o taylorismo nas
fábricas, a gestão de uma pessoa só na produção, a militarização do trabalho,
além de perseguir, exterminar e abolir todas as lutas antagônicas e oposições
de expressão proletária (dentro e fora do partido: do esmagamento dos
revolucionários de Kronstadt e Guliai Pole à Oposição Operária de Kollontai e
Grupo Operário de Miasnikov). A URSS foi um capitalismo de Estado, no qual a
burguesia burocrática é a classe dominante e ao mesmo tempo extrai mais-valor
do proletariado (relação social de produção fundamental do capitalismo) e detém
o controle total do aparato estatal (principal forma de regularização das
relações sociais burguesas) e é isso que, com especificidades locais, existe em
Cuba e Coreia do Norte. No caso da Venezuela (citada pelos progressistas e
também pelos conservantistas extremados) não há sequer um avanço nas
estatizações e sim um capitalismo privado com elementos de estatização: estas
últimas não modificam as relações de propriedade e de produção capitalistas.
Pelo contrário, a metamorfose jurídica da propriedade reforça o caráter de
classe capitalista das medidas estatizantes. Marx já colocava no Manifesto Comunista que o Estado
capitalista nada mais era do que um comitê comum para gerir os negócios comuns
da burguesia, a principal associação desta classe. Somado a isso, em A Guerra Civil na França, Marx percebe
na experiência histórica da Comuna provou que não basta à classe operária se
apossar do Estado e geri-lo: é preciso destruí-lo. O pseudocomunismo atribuído
aos progressistas por parte dos conservantistas mais distantes da realidade
nunca foi de interesse do PT, ex-rebento da social-democracia e atual versão
neopopulista do neoliberalismo brasileiro.
EXISTE ALGUMA CHANCE DE O PL
INSTAURAR UMA DITADURA FASCISTA NO BRASIL?
Também não. O fascismo[2] pode
ser definido como um movimento político baseado num nacionalismo expansionista/imperialista
(precisa expandir seus domínios, isso porque a vitória italiana na Primeira
Guerra não veio acompanhada de conquistas territoriais), integralista (busca a
adesão integral dos indivíduos) e totalitário (o partido fascista busca conquistar
o poder de estado e depois busca destruir os partidos políticos em geral, com o
Estado dominando todos da vida em sociedade). Ademais, se trata de uma
expressão política e doutrinária da classe capitalista em aliança com a
burocracia, sua classe auxiliar. O fascismo se manifesta por meio de diversas
organizações: partido fascista, sindicalismo fascista, movimento fascista,
doutrina fascista e emerge num contexto específico de recuo do movimento
operário na Itália. Portanto, estamos diante um fenômeno histórico específico
dos países de capitalismo imperialista. As premissas (expansionismo,
imperialismo, partido único, doutrina, estado totalitário, sindicalismo) do
fascismo são irrealizáveis em países como o Brasil, marcados pelo
desenvolvimento capitalista subordinado e pelo revezamento entre ditadura
burguesa aberta (ditadura pura e simples, como já foi durante 1964-1985 e
parece ser do interesse de Bolsonaro,
demais burocratas do PL e seus aliados) e ditadura burguesa oculta
(fundada na democracia burguesa, que é de vital interesse do PT e seus
aliados). O pseudofascismo alardeado pelos progressistas mais distantes da
realidade na verdade abalaria, quando muito, as estruturas da democracia
burguesa, e, sobremaneira, seus interesses de voltar ao governo e gerir a
máquina estatal, garantido a acumulação capitalista e impedindo quaisquer lutas
políticas mais amplas. Mas os arroubos ditatoriais de Bolsonaro não interessam
ao capital nacional e transnacional, pois na sociedade capitalista
contemporânea a democracia do capital oculta melhor a ditadura burguesa no
conjunto da vida social.
A verdade é que estamos vivendo, sob
a égide da democracia burguesa num estado neoliberal, a mais nua e crua
ditadura da classe capitalista. O estado neoliberal é a forma estatal adequada
ao capitalismo contemporâneo, fundado no regime de acumulação integral[3]. Uma
ditadura que dissimula as relações de exploração e dominação de classes que
parecem eternas e naturais. Isso sobretudo em períodos eleitorais, nos quais as
ilusões democráticas se fortalecem, bem como a irracionalidade e a canalização
das lutas políticas para a institucionalidade burguesa dão o tom da disputa
interburocrática entre os partidos. Estes últimos, nunca é demais lembrar, só
têm um objetivo: conquistar o poder e exercê-lo, garantindo as condições
políticas e econômicas necessárias para a reprodução da sociedade capitalista.
A alternativa, por fim, e o único
caminho de enfrentamento real diante da barbárie capitalista é a luta pela
sociedade autogerida. A busca pela autonomização do proletariado, grupos e
setores contestadores, aliada ao projeto autogestionário (vinculado ao
desenvolvimento da autoformação, da luta cultural pela hegemonia proletária e
da consciência revolucionárias, para que o processo de auto-organização não
ceda a objetivos outros, vinculados à manutenção da sociedade capitalista),
marcado pela recusa de todas as organizações burocráticas e da luta pela
constituição de formas de auto-organização revolucionárias, o que pressupõe
simultaneamente o combate radical das relações de produção capitalistas
(mais-valor, divisão social do trabalho, alienação, trabalho assalariado) e a
afirmação de um novo conjunto de relações sociais. A luta é de classes e não
pode ser confundida com disputa entre partidos. Nem progressismo, nem
conservadorismo: autogestão generalizada!
* Sociólogo e militante do Movaut – Movimento Autogestionário.
[1] Há uma ampla bibliografia sobre este fenômeno. Para uma
introdução ao leitor brasileiro, sugerem-se as coletâneas Crítica Marxista ao Leninismo (organizada por mim e por Gabriel
Teles) e Marxismo Heterodoxo
(organizada por Maurício Tragtenberg), bem como os livros de Maurício
Tragtenberg A Revolução Russa e Reflexões sobre o Socialismo.
[2] A este respeito, indicamos a leitura do texto O que é fascismo? de Nildo Viana e
publicado no número 26 da Revista Enfrentamento. Disponível em: https://redelp.net/index.php/renf/article/view/500/476
[3] Os regimes de acumulação marcam a historicidade
do capitalismo: são formas relativamente estáveis da dinâmica da luta de
classes e do processo de acumulação capitalista, marcados fundamentalmente por
uma determinada forma de exploração capitalista (dinâmica do mais-valor e da
luta entre burguesia e proletariado, classes fundamentais do modo de produção
capitalista), determinada forma estatal e determinada forma de exploração
capitalista internacional (relações internacionais). Sobre o regime de
acumulação integral e a teoria dos regimes de acumulação, recomenda-se o estudo
das obras de Nildo Viana: Estado,
Democracia e Cidadania e O
capitalismo na era da acumulação integral.