TEXTOS E DEBATES
CONTRA O PERSONALISMO
Rubens Vinicius da Silva
O personalismo (entendido aqui como o processo no qual se efetua um isolamento fantástico de um ou mais indivíduos do conjunto das relações sociais concretas e específicas de um território e contexto sócio histórico) é um grande entrave na compreensão dos fenômenos sociais e da história humana. Tal história tem sido, nas sociedades de classes, a história das ilusões.
Assim, para superá-las, não se trata de criticar ou denunciar um ou mais membros da polícia, do governo, do partido/sindicato x ou y, e sim entender as relações sociais fundamentais que se dão dentro e fora dessas instituições como um todo.
O personalismo liga o desenvolvimento das sociedades, suas mutações e de suas lutas históricas às façanhas ou mentes e ideias “geniais” de “grandes personalidades”: tal procedimento intelectual vai ao encontro da perspectiva burguesa, que ignora a constituição histórica e social dos seres humanos, seu pertencimento de classe, valores, ideias, sentimentos e mentalidade. Ademais, isola determinadas características desses indivíduos (geralmente membros das classes superiores) e abandona o ponto de vista da totalidade: são os seres humanos reais, históricos e concretos que travam suas lutas e, desse modo, fazem a história a partir das condições legadas do passado.
A luta cultural assume papel importante no combate ao personalismo: isso porque resgata as lutas de classes, os interesses das classes (do proletariado em especial, a classe potencialmente revolucionária de nosso tempo) e setores que contestam a sociedade capitalista. Além disso, é a partir da luta cultural que se denuncia como o ponto de vista que reproduz a concepção da história fundada na ação grandiosa de “grandes indivíduos” em realidade diz muito sobre a necessidade de manutenção das relações de exploração e dominação características da sociedade moderna.
Assim, é fundamental fazer avançar a formação intelectual e política das classes inferiores e demais setores contestatários, no sentido de se organizar não contra o governo, a polícia, ou o partido político de x ou y e sim contra os fundamentos da sociedade capitalista e da sua totalidade, uma vez que são as relações sociais capitalistas as geradoras da miséria psíquica, cultural e material que aflige a humanidade. Dessa forma, a revolução proletária não busca eliminar indivíduos ou culpá-los isolada e moralmente por todas as relações sociais capitalistas e sim destruir as instituições, organizações e o conjunto dessas relações sociais, marcadas pela exploração, alienação e dominação.
No capitalismo, as organizações dominantes são as que se baseiam na divisão do trabalho entre dirigentes e dirigidos, relação social que é fundamental na manutenção das sociedades de classes. Nessas organizações o personalismo se manifesta no fato de os seus eventuais avanços e recuos na dinâmica organizacional serem atribuídos aos indivíduos que pertencem à classe dominante ou aos membros das frações de suas classes sociais auxiliares, em detrimento da negação aberta das contradições, conflitos e tensões existentes em virtude das lutas concretas ocorridas no seu interior. Nesse sentido, os vínculos daqueles que possuem os cargos de direção (e, por conta disso, tomam as decisões e fixam os objetivos no seio das organizações burocráticas) com os membros da classe dominante é mais do que nítido, de modo que os exemplos recentes proliferam.
Da mesma maneira, o aniversário de algumas experiências históricas e processos sociais dá a possibilidade de confirmar que a deformação da história efetuada por intermédio do personalismo tem se repetido: ora como tragédia, ora como farsa.
Ou seja, a grande questão é fomentar outras formas de organização, especialmente entre os trabalhadores produtivos, o proletariado, assim como nas demais classes e outros setores da sociedade que contestam o capitalismo. Não há como lutar pela superação do capitalismo reproduzindo a sua dinâmica; deste modo, a auto-organização deve ser um princípio fundamental das lutas.
Mas não ela como um fim em si: é preciso articular as lutas e lutadores reais, que se formam em oposição direta aos partidos e sindicatos, com um projeto de abolição e superação da sociedade capitalista. Não há como ter unidade com os inimigos de classe: mesmo aqueles que aparentam ser mais próximos e íntimos.
É por aí que passa o avanço num sentido revolucionário: o horizonte da transformação também passa pelo resgate das experiências históricas de luta, demonstrando o papel contrarrevolucionário de partidos e sindicatos. São estes últimos que pela ação direta de suas burocracias em determinados momentos históricos oscilam entre a sua função de classe auxiliar da burguesia ou buscam se autonomizar, expressando seus próprios interesses no sentido de se tornar a nova classe dominante, em especial quando do avanço das situações revolucionárias.
A história das lutas de classes demonstra que é justamente em períodos de avanço das lutas revolucionárias, autogeridas, que o papel de partidos, sindicatos e do estado se evidencia. Eles têm medo e horror à superação das relações de produção burguesas, pois isso significaria o fim de sua razão de existência, isto é, a de ser uma fração de classe auxiliar dos capitalistas.
Apenas combatendo de forma direta o personalismo (e as organizações burocráticas que o sistematizam e reproduzem) e, neste mesmo processo, forjando o embrião de uma sociabilidade e de uma sociedade sem dirigentes e dirigidos, nem exploradores e explorados, é que efetivamente estaremos constituindo um mundo no qual possamos ser socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres, fundado na autogestão social generalizada.
"A revolução proletária tem que destruir um poderoso sistema desde a raiz e criar algo de bem novo à mais larga escala. Para esta tarefa não são adequadas as forças dos partidos e sindicatos. Mesmo as mais fortes organizações são demasiado fracas para isso. A revolução proletária só pode ser obra da totalidade da classe proletária."
Otto Rühle