sexta-feira, 26 de outubro de 2018
quinta-feira, 4 de outubro de 2018
Carta aos revolucionários sobre o antifascismo
Carta
aos revolucionários sobre o antifascismo
Alexandra Peixoto Viana
O antifascismo, encabeçado pelos partidos
políticos da dita esquerda, causa uma polarização simplória e reducionista [1], necessária para a reprodução do
capitalismo. Quando revolucionários optam por bradar o mesmo grito, nada fazem
além de dar um tiro no próprio pé. Compreendo a intenção, e ela é boa, mas não
é estratégica e mostra insuficiência teórica.
Reforçar esse discurso e, como inevitável
consequência, essa polarização, principalmente em contexto eleitoral, só faz
com que trabalhadores e militantes: 1) temam uma suposta ameaça fascista e, em
reação, votem no “menos ruim”, iniciando enxurradas de discussões acerca do tal
“voto útil” e distanciando-se cada vez mais dos princípios e objetivos
revolucionários; 2) optem por ficar do lado dos semifascistas, reproduzindo
ainda mais discursos de ódio e aumentando as chances de eleição do candidato
tão repudiado pelos partidos de esquerda. Inclusive, quanto mais “ibope” é dado,
quanto mais as pessoas se debatem contra determinado candidato, mais ele cresce
em intenção de voto.
Além da falta de reflexão estratégica, o
antifascismo expressa também insuficiência teórica. A fim de atingir a
autogestão social, nossas energias devem ser sempre despendidas nesse sentido.
Os meios devem apontar para os fins. Além disso, não faz sentido lutar contra o
fascismo no bojo da sociedade capitalista, pois ele, se os capitalistas assim
quiserem ou precisarem, aparecerá por mais que relutemos.
Afirmar que estamos sob ameaça de “golpes”,
como no caso do impeachment da Dilma ou da suposta ditadura fascista que, não à
toa, teóricos atrelados ao poder estatal – seja por cargos ou por interesses de
classe, enquanto intelligentsia [2] sustentada por partidos como o PT – tanto
discorrem e teorizam a respeito, é reconhecer que vivemos sob um regime
democrático. Acho que, a essa altura do campeonato, todos sabem que não existe
democracia (no sentido ideal da palavra, como “governo do povo e para o povo”)
no capitalismo. As mudanças políticas que ocorrem estão sempre atreladas ao
interesse da classe capitalista, ou seja, o “golpe” e ditaduras só ocorrem com
seu aval e mediante sua necessidade – eles mandam nas regras do jogo e,
portanto, não há e nunca houve nada de democrático no capitalismo.
Vale lembrar que o próprio PT já foi acusado de
fascismo por anarquistas: “Pois se o ‘golpismo fascista’ significa desenvolver
a militarização política, hoje o que existe de mais próximo de fascismo no
Brasil é o próprio PT, que reedita leis da ditadura, prende manifestantes e
mata pobres nos campos e favelas” (BLOG UNIÃO ANARQUISTA, 2015). A luta
antifascista, além de seus problemas estratégicos e teóricos, torna-se
redundante e tudo pode ser tido como fascismo.
Ademais, lutar contra a ameaça fantasma de
ditadura não leva a um aumento da consciência de classe, como é pretendido. Ao
contrário, aumenta a animosidade, pois diminui o diálogo e classifica pessoas,
que podem ser apenas desinformadas ou levadas pelo que leem nas correntes de
WhatsApp e Facebook, como fascistas cruéis. Sabemos que as coisas não são tão
simples e que essas categorizações são pobres.
Por mais que pareça uma boa ideia, o
antifascismo jamais vislumbrará algo além do capitalismo. Nesse esteio, a única
forma de combater o fascismo é fortalecendo as pautas revolucionárias,
estimulando o proletariado – ou seja, quem produz e tem potencial de
transformar radicalmente a sociedade – a ter consciência dessa potencialidade.
A luta cultural é nosso principal meio de conseguir algo, através do estímulo e
apoio aos trabalhadores e suas associações auto-organizadas. Isso não pode ser
feito a partir de uma denúncia do fascismo, mediante as argumentações
supracitadas.
Assim, me parece muito mais interessante e
eficaz – ao invés de discursar contra um determinado candidato ou
posicionamento político – discutir o Estado e suas implicações, sua função na
manutenção da exploração e sua inevitável finalidade de nos manter
trancafiados, calados, calejados. O voto é, para nós, uma ilusão, e esse ideal
sobressai ao medo de um candidato X ou Y por ser fascista – por mais que este
seja, de fato, assustador.
Em suma, quanto mais denunciamos o fascismo,
mais força ganham os discursos de ódio, aumenta-se a polarização política vazia
de sentido e fortalece-se o modo de produção capitalista. Toda essa animosidade
entre nós mesmos não leva a lugar algum, só retardada o movimento e mantém tudo
como está. Lembremos que a autocrítica é uma das nossas mais necessárias
ferramentas em tempos de exacerbado egocentrismo, e a exercitemos. É preciso não esquecer do objetivo principal
e final da nossa luta: a emancipação humana. Para isso, não podemos nos deixar
levar por modismos ideológicos ou pelo medo. Precisamos enxergar o todo.
Notas
[1] A polarização “esquerda versus direita” é
simplória e reducionista, uma vez que não enxerga além das estruturas de poder
estatais e das relações de produção contemporâneas, intrínsecas ao modo de
produção capitalista. Ou seja, apoiar partidos de esquerda não é ser
revolucionário, uma vez que não se propõe a mudança radical da sociedade, mas,
ao contrário, a aceita e se contenta com pequenas reformas. Sobre isso,
poderíamos discorrer ainda acerca da vanguarda e outros discursos partidários
contrarrevolucionários.
[2] Intelligentsia é um conceito exposto por
Makhaïski. Ela é caracterizada como um exército de trabalhadores intelectuais
que se aproximam, por seu nível de vida, da burguesia. Não constitui um
proletariado instruído, como quiseram afirmar alguns ideólogos, como Kautsky. A
intelligentsia é responsável por propagar ideologias (falsas formas de
consciência sistematizadas) que convém ao interesse de manter os privilégios
(manutenção de cargos e salários, incluindo cargos acadêmicos) e, portanto,
está atrelada aos interesses de capitalistas e burocratas. Ou seja, é uma
classe auxiliar da burguesia, a classe dos intelectuais. O ideal desta classe é
a transferência dos meios de produção ao Estado, reduzindo a luta operária à construção
de um “socialismo de Estado”, no qual fariam parte da nova burocracia e
aumentariam sua parte na partilha da mais-valia global (TRAGTENBERG, 1981).
Referências
BARROT, Jean. O antifascismo é o pior produto
do fascismo. Revista Marxismo e Autogestão,
número 4, jul./dez. de 2015.
MAKHAÏSKI, Jan Waclav. O Socialismo de Estado.
In: TRAGTENBERG, Maurício (org.). Marxismo
Heterodoxo. São Paulo: Brasiliense, 1981.
TRAGTENBERG, Maurício (org.). Marxismo Heterodoxo. São Paulo:
Brasiliense, 1981.
BLOG UNIÃO ANARQUISTA. Os presos políticos do PT. Disponível em: https://uniaoanarquista.files.wordpress.com/2015/02/cdp71.pdf
(acesso em outubro de 2018).
As mudanças que as eleições prometem é que não vão mudar nada [Textos e Debates]
Textos e Debates
As mudanças que as eleições prometem é que não vão mudar nada
Edmilson Borges da Silva
Estas eleições marcadas por um forte apelo anticorrupção, nos mostra como os mesmos nomes fazem as regras do jogo. Os eleitos nas eleições anteriores são as novidades de agora, que são os mesmos que alimentaram um dos elementos inerentes ao capitalismo, ou seja, subornar, corromper, ser corrompido, fraudar, pra melhor entender, roubar e legalizar o roubo. Os ditos “homens de negócios” alimentam os abutres que lhes representam nas instituições do Estado, desta forma, o processo eleitoral é uma farsa em que o que se diz não é para ser cumprido, ou ainda, se diz o que está latente à audição de quem sofre as mazelas da exploração e opressão e esconde as tramas fundamentais que retroalimentam essa ordem. Desta forma, são os lobos que falam aos cordeiros como se proteger, o que é a verdade, o que é a ética, a moral, etc. Refletir como a novidade é aparente, mesmo sendo os nomes, em muitos casos conhecidos; como os partidos mudam o figurino sem mudar o conteúdo; como os templos continuam “abençoando” os feitores e, afirmar que a radicalidade de uma mudança não passará por essa vã esperança em que os exploradores orientam os explorados a repetir o ritual é a necessidade deste texto.
Número de deputados federais de Goiás no congresso nacional: 17
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Eleitos em 2014
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Os que disputam a reeleição em 2018
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Estão na disputa do executivo Estadual
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Na disputa como suplente de senador
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Não disputam a reeleição mas apoiam outros candidatos
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17
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12
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02
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01
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02
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Os deputados federais eleitos em 2014, vários já vinham de reeleição e novamente estão no pleito eleitoral de 2018. Renovação é uma retórica. Estes dados estão disponíveis em sites dos tribunais eleitorais, Câmara Federal e em outros.
Estes números demonstram que não há novidades no fronte. A reeleição será garantida à maioria que fizeram quatro anos de campanha à custa do erário. Mesmo as renovações serão ocupadas por ex-deputados federais que eram suplentes ou ocupavam cargos nas instâncias estaduais ou municipais.
Delegado, pastor e policial são ocupações que aparecem antes do nome do candidato como um adjetivo apresentando e qualificando o nome postulando ao cargo. Como se isso fosse reserva moral da sociedade, se fosse qualidade supranormal. O uso da fé profana os templos, em busca do poder e da vontade desenfreada de determinar a subordinação da vida. A violência, o medo, o sofrimento vira discurso fácil na boca de quem é pago para combater a mesma, no entanto, é a sociedade marcada pela dissimulação e o Estado correspondente que facilita a emergência desse tipo que tenta se consagrar como um combatente do crime. Na verdade, sua emergência já é uma mentira e uma manipulação da triste realidade.
A ampla visibilidade da corrupção, lugar comum no discurso do eleitor, não altera o processo eleitoral, ao contrário, os escroques são os mesmos, as instituições são as mesmas e por isso, surrupiar o dinheiro público continuará galopante. O eleitor continuará elegendo os seus feitores em troca de migalhas ou de mais maldades.
Pelo menos seis partidos mudaram de nomes para disfarçarem suas picaretagens, mudar o nome sem mudar mais nada (o partido atualmente denominado DEM tem suas origens na antiga ARENA, passando para PDS e PFL; MDB, PMDB e retornou ao MDB; PTN virou PODEMOS; PTdoB se intitula AVANTE; PEN passou a PATRIOTA e PSDC para DC), existe os figurões que não mudaram os nomes dos partidos mas se transferiram para outros partidos, cientes que o eleitor não tem tempo para colher essas informações.
Desta forma os eleitores de forma inocente, induzidos ou com negócios no Estado, continuam participando da farsa legitimando-a. Ao que tudo indica, feitores de ontem ou de hoje chegarão ao poder com a gana do ilícito. A farda, o mal uso da fé, a polícia, negócios familiares – de pai pra filho – e outros vilipendiosos negócios fazem das eleições o que é, um balcão de negócios sórdidos.
No país o que se observa é isto, processo eleitoral de pais pra filhos, os patrões indicando/impondo candidaturas, o uso do Estado para legitimar o medo, a violência balizando nomes para dirigir o mesmo. O eleitor subjugado pela fé, o medo, a fome e uma vã esperança, somado ao oportunista, o larápio, o negociante do voto, aquele com interesse no Estado e de prontidão para agenciar o eleitor irá legitimar o processo garantindo aos mercenários/empresários o Estado como fórum privilegiado da exploração e opressão dos trabalhadores.
Lutar por uma possibilidade de superação destas caras instituições que formam o Estado capitalista, de maneira a indicar sua superação, é o que sobram aos trabalhadores, portanto, votar nulo é legítimo e mais preciso quando se declara que a luta pela autogestão é condição necessária deste ato.
segunda-feira, 24 de setembro de 2018
domingo, 19 de agosto de 2018
CURSO "A DIALÉTICA MARXISTA"
Nas manhãs de sábado, entre os dias 15 de setembro e 6 de
outubro, o Ruptura Espaço Cultural promoverá o curso "A DIALÉTICA
MARXISTA".
Excelente oportunidade tanto para aqueles que já possuem
estudos da obra de Karl Marx, quanto para aqueles que desejam uma abordagem
inicial.
As inscrições custam 20 reais e há certificação ao final do
curso.
O curso será ministrado pelo Prof. Dr. Nildo Viana, da
Faculdade de Ciências Sociais da UFG.
O Ruptura Espaço Cultural está localizado próximo à Praça da
Bíblia. Av. Anhanguera, Qd 117-B, Lt. 04, Nº 128.
Em frente ao Sindicato dos Empregados no Comércio (SECEG) e
Igreja Videira.
segunda-feira, 30 de julho de 2018
sexta-feira, 27 de julho de 2018
Nova edição da Revista ENFRENTAMENTO - PARA UMA CRÍTICA DA BUROCRACIA
Disponível a nova edição da Revista Enfrentamento!
Esta edição conta com contribuições de Nildo Viana, Edmilson Marques, Diego Marques, Rubens Vinícius e Jan Waclaw Makhaïsky, onde os autores aprofundam a crítica da burocracia (como classe social e forma organizacional) e do processo de burocratização do conjunto das relações sociais, iniciados na edição anterior.
Do editorial:
"A classe operária, nos momentos de radicalização de suas lutas, torna consciente esta característica das lutas sociais. Contudo, cessado o ciclo de lutas, tal aprendizagem, via de regra, não se acumula, não se sedimenta. Em um novo ciclo, ela deve aprender de novo, pois surge uma nova geração de trabalhadores que aprende, novamente, por si mesma, o significado da burocracia enquanto classe. Somente quando houver a superação desta situação, de modo continuado no tempo e no espaço, é que veremos a possibilidade de uma nova sociedade se apontar no horizonte. A burguesia, quando a classe operária entra em luta, é facilmente identificável como inimiga. Essa identificação também ocorre com o estado, pois este acorre em reprimir o movimento. As burocracias inferiores, contudo, são as últimas a serem percebidas como inimigas. Quando isto acontece é porque a luta de classes já está radicalizada a níveis perigosos para a classe dominante. E esta faz tudo o que puder para evitar este degrau na luta do proletariado.''
terça-feira, 24 de julho de 2018
domingo, 1 de julho de 2018
REFLEXÕES AUTOGESTIONÁRIAS 07: O QUE É SER REVOLUCIONÁRIO?
O QUE É SER REVOLUCIONÁRIO?
Carlos Henrique Marques
Uma das questões que surgem na sociedade capitalista e que é
sempre motivo para questionamento dos militantes autogestionários é sobre o que
é ser revolucionário. Ser revolucionário é apenas defender o projeto
autogestionário, ou seja, ficar no nível das ideias? Apresentaremos,
sinteticamente, uma resposta para isso.
O projeto autogestionário é parte e não a totalidade do
movimento revolucionário. E tanto as ideias autogestionárias quanto os demais
elementos do movimento revolucionário estão marginalizados em nossa sociedade
no atual momento. E não poderia deixar de ser, pois sempre foi assim.
Em épocas de ascensão das lutas, estas saem da posição
marginal e disputam, no interior das classes desprivilegiadas (e não na
sociedade como um todo) a hegemonia e em momentos revolucionários se torna
hegemônico. O movimento revolucionário é uma totalidade, que dentro do
capitalismo, se manifesta fundamentalmente no plano das ideias, pois no plano
das relações de produção permanece o capitalismo e o estudante, o intelectual,
o professor, o operário, estão reproduzindo o capitalismo, seja produzindo
mais-valor (operário), seja reproduzindo as instituições capitalistas
(professores e estudantes reproduzindo a escola, a universidade) que possuem a
função de reproduzir o capitalismo...
Obviamente que há a militância revolucionária, mas esta é,
fundamentalmente, cultural e teórica. Ela é também de intervenção nas lutas,
ações junto aos trabalhadores, etc., sendo essa parte mais limitada, tanto por
existirem poucos revolucionários (indivíduos e grupos) quanto por existir pouca
ressonância na sociedade. Ela consiste em formar grupos revolucionários,
divulgar e fortalecer a luta cultural[1], atuar no interior do
movimento operário, movimentos sociais, sociedade civil, quando isso é
possível.
O problema é considerar que ser revolucionário é agir quando
existe agitação, sendo que, na verdade, ser revolucionário é fazer o trabalho
cotidiano para fortalecer a hegemonia proletária em certos setores da sociedade
e que pode ocorrer também quando existe agitação, desde que na perspectiva
revolucionária, embasada numa estratégia revolucionária e de acordo com as
possibilidades de ação. Daí é fundamental ter em vista a distinção entre “ação
desejável” e “ação possível”. A ação desejável é a que desejamos realizar, que
pode se concretizar se for possível. A ação possível é aquilo que damos conta
de fazer em determinado contexto. Por exemplo, fazer propaganda revolucionária
generalizada no centro de uma grande capital é uma ação desejável, mas isso
depende de recursos, militantes, etc., e num regime ditatorial, não é possível.
Seria uma ação desejável, mas não uma ação possível. Para saber se é uma ação
possível é necessário ter estratégia revolucionária e análise da conjuntura no
sentido de compreender se há necessidade, possibilidade e utilidade em
determinada ação.
Ser revolucionário não é apenas fazer discurso e nem apenas
fazer agitação quando existe mobilização. Não se trata de apenas fazer
discurso, mas sim de uma luta cultural, que assume inúmeras formas (propaganda
generalizada, produção artística, produção teórica, divulgação de ideias,
conversação cotidiana, etc.) e que tem pressupostos (autoformação, reflexão,
estratégia, etc.). Da mesma forma, não se trata de apoiar toda e qualquer
mobilização (é preciso saber de quem, com que objetivos, com quais
reivindicações, quais suas tendências e consequências, etc.). Existe uma
tendência, ligada ao praticismo e ativismo, de considerar que ser
revolucionário é estar nas agitações e mobilizações. Isso é ser rebelde ou ser
oportunista (depende da forma e objetivos pelos quais se faz isso), ou, ainda,
ser ingênuo.
Ser revolucionário pressupõe objetivar a revolução e para
isso é preciso saber o que é uma revolução e como elas se realizam e,
historicamente já foi comprovado que o voluntarismo nunca gerou revoluções. A
revolução é produto de uma classe social específica, o proletariado, e que pode
até emergir a partir de lutas de outros setores da sociedade, mas não pode se
concretizar sem ele. Se não há no movimento operário uma tendência para a
revolução, de nada adianta o voluntarismo ou agitação. A agitação e mobilização
sem essa tendência, pode gerar o efeito contrário do que se espera ou a repressão
e enfraquecimento do movimento revolucionário. Por isso o militante não deve
ser voluntarista e se considerar uma “vanguarda” e nem cair no reboquismo. O
militante realmente revolucionário deve fazer um trabalho mais profundo e
cotidiano de buscar criar condições favoráveis para uma vitória do
proletariado. Esse trabalho deve ser cotidiano e fornecer armas para a luta do
proletariado, tal como elementos de cultura, ideias revolucionárias, etc., para
quem, em momentos de agitação e crise, haja o processo de autonomização do
proletariado e sua passagem para classe autodeterminada.
Ser revolucionário significa uma luta cotidiana e constante,
inclusive dos indivíduos contra eles mesmos (muitas vezes é preciso sacrificar
os interesses pessoais para manter-se como revolucionário). É uma luta contra
toda a sociedade existente, contra os valores dominantes, as ideias
hegemônicas, as pressões sociais sob inúmeras formas. Ser revolucionário
pressupõe ser forte e corajoso. Inclusive para não cair nas armadilhas do
voluntarismo e da necessidade de dar satisfação para os outros de suas ações e
posições, especialmente, nesse caso, para os progressistas (especialmente
social-democratas e leninistas), pois eles necessitam de ativismo para garantir
seus votos, uma imagem positiva diante da população, etc. Eles não são
revolucionários e não entendem o que é ser revolucionário e por isso suas
cobranças aos militantes autogestionários são ridículas e pautadas no
reformismo e, na maioria dos casos, no oportunismo. Um revolucionário não se
mede pelo discurso dos progressistas e sim pelo seu compromisso com a
transformação radical e total das relações sociais e isso leva, fatalmente, a
crítica ao capitalismo e suas expressões políticas e culturais variadas e ao
falso socialismo dos progressistas, um elemento contrarrevolucionário que
muitas vezes se infiltra no movimento operário e lutas sociais.
O revolucionário pode e deve ir em manifestações, apoiar
greves, etc., mas não é um agitador, um aventureiro, um voluntarista. Esse
momento da luta revolucionária é necessário quando embasado numa estratégia
revolucionária, o que pressupõe uma análise e reflexão sobre sua ação e
contexto. Um revolucionário jamais se dedica à “ação pela ação”, pois o seu
objetivo é ação para a revolução. Por
isso não se pode perder de vista nunca o objetivo e o significado de cada
ideia, ação, posição, em relação ao objetivo final (revolução e autogestão).
Por isso é necessário, também, superar o romantismo e o
obreirismo, buscando participar de toda e qualquer manifestação ou agitação,
por causa de um pressuposto, equivocado e não-marxista, de que o “povo”
(inclusive existem obreiristas que acabam achando que caminhoneiros são
“proletários” ou “revolucionários”) é naturalmente e espontaneamente revolucionário.
É preciso entender quem é o proletariado e quem são as outras classes, frações
de classes, categorias profissionais, etc., e seus interesses (muito mais que
seus discursos, que devem ser analisados também, mas a partir de uma concepção
totalizante e que se atende para as relações sociais concretas e os interesses
envolvidos nas lutas sociais por cada setor da sociedade). O proletariado é
potencialmente revolucionário e é na luta que isso se concretiza. Essa luta é
uma luta de classe e não se limita a meras “manifestações” de rua, algo pouco
politizado e que pouco pode fazer para avançar a luta proletária. A luta do
proletariado se revela muito mais – e de forma muito mais profunda e radical,
nas ações no local de trabalho, nas greves, no desenvolvimento da consciência
revolucionária (autoformação) e na constituição de formas de auto-organização.
É por isso que o militante revolucionário deve buscar fortalecer esses
elementos e é via luta cultural que ele pode, efetivamente, contribuir com esse
processo. No entanto, a maioria dos militantes pouco agem em momentos de
calmaria e em momentos de agitação se transforma rapidamente em ativista, sem
ter estratégia, o que pressupõe reflexão e análise. Nesse sentido, o
revolucionário reproduz o que faz o operário: passa da calmaria à agitação
quando esse o faz. Mas o bom revolucionário é aquele que se antecipa, que busca
criar condições favoráveis para o movimento operário conseguir sua vitória. O
mau revolucionário é aquele que vai com as ondas, que não consegue distinguir
luta operária de lutas de outros setores da sociedade e que fica entusiasmado
com agitações que não possuem nada de revolucionárias e que nem contribuem com
a ascensão da luta proletária ou fortalecimento do bloco revolucionário.
Em síntese, ser revolucionário é um projeto de vida e não é
o mesmo que ativismo e voluntarismo. E o projeto autogestionário é o elemento
fundamental e definidor do revolucionário. Ser revolucionário não é apenas ter
um projeto autogestionário, ou “ideias autogestionárias”, é ter e buscar
concretizar esse projeto através da luta. O revolucionário age sob várias
formas, mas a forma principal é a luta cultural. Esse é o elemento fundamental
do bloco revolucionário e no que ele mais contribui com o movimento operário e
o ajuda a realizar sua potencialidade revolucionária. A formação de centros de
contrapoder, a colaboração em greves e outras ações proletárias, são
importantes e necessárias, mas são secundárias, a não ser em momentos
revolucionários. A fusão do bloco revolucionário com o movimento operário
pressupõe uma ampla luta cultural interna (para a superação das ambiguidades,
incluindo o praticismo e o voluntarismo) e uma luta cultural externa pela
hegemonia proletária. O revolucionário é aquele que vive para o futuro e a luta
é o seu modo de ser e só tem sentido apontar para a revolução, o objetivo
final. E toda luta cotidiana deve estar articulada com tal objetivo final, ou
seja, com a revolução que instaura a sociedade autogerida realizando a
libertação humana.
[1]
Sobre luta cultural, confira: Luta
de Classes e Universo Cultural, Hegemonia
e Luta Cultural, Marx
e a Luta Cultural, Luta
Cultural e Propaganda Revolucionária,
terça-feira, 8 de maio de 2018
REFLEXÕES AUTOGESTIONÁRIAS 06: DIREITA E ESQUERDA: INIMIGAS DA EMANCIPAÇÃO HUMANA
DIREITA E ESQUERDA: INIMIGAS DA EMANCIPAÇÃO
HUMANA
Rubens Vinícius da Silva
Os recentes acontecimentos e casos de violência têm
reacendido a velha discussão entre esquerda e direita, assim como entre
fascismo/nazismo e antinazismo/antifascismo. Diante deste cenário miserável, o
qual demonstra e reafirma a total hegemonia das ideias da classe dominante (ou
seja, das ideias dominantes, produzidas pela intelectualidade e a serviço da
reprodução desta sociedade) é fundamental realizar uma crítica que supere o
aparente e ao mesmo tempo aponte para um projeto realmente revolucionário e
emancipador.
Devido ao espaço e também à íntima ligação entre direita e
nazismo/fascismo e esquerda e anti-nazismo-fascismo, irei me ater ao
significado mais amplo destes dois lados da mesma moeda, que surgem no bojo da
primeira revolução burguesa vitoriosa da história, por pura questão de espaço:
os que eram a favor do governo revolucionário e suas medidas estavam à direita;
os que eram contra (mas não queriam derrubá-los para superá-los, senão para
substituí-los) sentavam-se à esquerda.
Pois bem: estes termos há um bom tempo não dão mais conta de
explicar a realidade. Servem mais para a confusão e legitimação das relações de
produção capitalistas do que o contrário. Os partidos de esquerda têm o mesmo
objetivo que os de direita (a conquista do poder estatal), se organizam da
mesma forma (burocraticamente, através da relação social dirigentes e
dirigidos, onde uma fração de classe específica, a burocracia partidária,
exerce o controle, a direção e toma as decisões no seio do partido) e partem de
uma ideologia (assim como os partidos de direita) que lhe é fundamental: a
ideologia da representação[1],
na qual os verdadeiros interesses são omitidos (conquista e manutenção de
privilégios, maior proximidade e possibilidade de atuar a serviço dos
capitalistas) e falsos interesses são proclamados, a revolução, por exemplo.
O que mudam concretamente são as ideologias políticas para a
conquista do poder estatal, as alianças e a base social do eleitorado. Fora
isso, esquerda e direita (leia-se suas respectivas burocracias e militantes
mais identificados com as práticas, valores e mentalidade desta fração de
classe) são inimigas da emancipação humana: têm horror à destruição das
relações de exploração, dominação e opressão características da sociedade
moderna, uma vez que isso significaria o fim de sua razão de existência, qual
seja, controlar, impedir, dirigir e conter toda e qualquer possibilidade de
autonomização da luta das classes e grupos sociais desprivilegiados.
No caso dos partidos de esquerda que não defendem as
eleições ou sua participação, a única diferença se dá na forma pela qual é
feita a luta pela conquista do poder de estado: via golpe ou insurreição,
realizado por uma minoria militarmente organizada e que se revela um estado em
miniatura. Em ambos os casos (conquista do poder pela via legal ou ilegal), não
há a abolição da produção e extração de mais-valor, não há a superação da
divisão social do trabalho, da especialização que lhe caracteriza e do trabalho
assalariado, bem como não se rompe com a lógica de dirigentes-dirigidos no
processo de produção e reprodução dos bens materiais necessários à vida.
Em suma, quando nos
remetemos às experiências históricas de tomada violenta do poder estatal por um
partido de vanguarda, que diz representar as classes trabalhadoras e em verdade
possui interesses próprios, ou seja, os interesses da burocracia partidária, o
que se tem é uma variante do capitalismo privado, onde a burocracia do partido
se torna burguesia de estado e as classes subsistem, assim como sua condição de
exploração, submissão e dominação. Assim, repete-se (como tragédia e como
farsa) um fenômeno nada novo: a luta de classes é substituída pela luta em
torno das ideologias. Em todos os países onde os partidos de esquerda tomaram o
poder, as relações de produção e as demais relações sociais capitalistas foram
mantidas e reforçadas. E o pior: o movimento operário e das demais classes e
grupos explorados/oprimidos foi duramente combatido, quer pela cooptação e
integração quer pela repressão aberta e violenta.
É urgente que os revolucionários avancem para além das
aparências e não se deixem levar pelo cotidiano desumano e pela consciência
imediata que dele decorre. Por isso mesmo a necessidade de formação política
revolucionária é fundamental. Deste modo, um ponto de partida interessante é
estudar as experiências revolucionárias do século passado, muitas das quais
foram derrotadas, esmagadas e depois tiveram seu real conteúdo apropriado e
deformado pelos próprios partidos de esquerda.
Do contrário não avançamos e as classes privilegiadas se
divertem com querelas, conversas e debates improdutivos como fascismo x antifascismo;
direita x esquerda; estado máximo x estado mínimo, etc... Neste contexto, a
única alternativa possível e que realmente deve ser reforçada é a luta direta e
encarniçada contra todos os partidos e demais organizações que reproduzem a
sociedade capitalista no seu interior.
A luta cultural contra o capital é também uma luta contra as
suas classes auxiliares (burocracia e intelectualidade). Os mais radicais
dentre estas, em momentos de amortecimento e estabilidade da luta de classes se
apresentam como amigos, defensores, 'representantes' das classes trabalhadoras.
Porém, um estudo atento das lutas recentes no país reforça o que as
experiências de luta revolucionária derrotadas já evidenciaram.
Longe de recuperar
essa distinção entre esquerda e direita, é preciso criar e se balizar em
conceitos que ao mesmo tempo expressem a realidade e contribuam para
transformá-la radicalmente. Sem a autonomização da luta proletária, este
processo dificilmente pode avançar e ser concretizado, uma vez que o
proletariado, devido às suas condições e situação de classe, é o único que pode
colocar um fim ao conjunto da sociedade capitalista.
Neste sentido, o combate às organizações burocráticas (no
caso da esquerda, partidos e sindicatos; no da direita, além destes, das demais
organizações a serviço do capitalismo) deve estar articulado à necessidade da
defesa da autogestão das lutas e sua generalização. Somente com a superação da
divisão social do trabalho e dos vínculos com a sociedade burguesa, aliados à
necessidade de expansão total das organizações não-burocráticas (que não se
fundam na relação de dirigentes e dirigidos, essencialmente produto das
sociedades de classes) e superação completa da totalidade das relações sociais
burguesas é que tanto a esquerda quanto a direita serão enfrentadas,
desmascaradas e poderão ser derrotadas, pois significam a manutenção da
miséria, da exploração e de tudo o que há de mais inautêntico e desumano na
humanidade.
[1] No
livro O que são partidos políticos?, Nildo Viana desenvolve melhor a discussão
entre a ideologia da representação e os verdadeiros interesses e objetivos da
burocracia partidária: http://2012.nildoviana.com/wp/wp-content/uploads/2012/09/O-Que-Sao-Partidos-Politicos-Nildo-Viana.pdf
segunda-feira, 7 de maio de 2018
TEXTOS E DEBATES - A HISTÓRIA SE REPETE: O MAIO DE 1968/2018 E A BUROCRACIA ENQUANTO ÚLTIMA TRINCHEIRA DA BURGUESIA.
por Gabriel Teles
E depois de 50 anos, a CGT, principal e maior central
sindical francesa, cumpre novamente o seu papel burocrático, emperrando a
radicalização das lutas e criminalizando as manifestações, sobretudo a de
ontem, 1° de maio.
Hoje, Jean Pierre Mercier, delegado da CGT, foi a televisão
dizer que a "festa do dia dos trabalhadores" foi manchada por um
conjunto de arruaceiros que, pasmem, detestam o trabalho. Sorte a dos franceses
que possuem indivíduos que ainda detestam o trabalho alienado, fruto da
exploração e dominação de classe. Ao contrário deste sindicalista, que
glorifica o trabalho assalariado, estes "arruaceiros" buscam
aboli-lo.
No final da entrevista, o senhor Mercier ainda afirma, de
forma orgulhosa, que a comissão de segurança e da ordem da CGT nas
manifestações de ontem, fora mais eficazes que a polícia no estabelecimento da
ordem. Sabemos que não é a primeira vez que é confiado a este sindicato o
serviço de repressão e desmobilização dos estudantes e trabalhadores.
A história se repete, a primeira vez como tragédia e depois
como farsa.
Em 1968, a CGT e as demais burocracias sindicais e
partidárias, como bem disseram os estudantes franceses de Censier, foram as
últimas trincheiras da burguesia para conter o avanço das lutas dos
trabalhadores e dos estudantes.
Georges Seguy , secretário-geral do CGT na época, afirmara
com todas as letras que a CGT contribuiu para o estabelecimento da ordem e
retomada do geral do trabalho: “A opinião pública perturbou-se com as confusões
e as violências, desorientada pelas posições equivocadas e o abandono do
Estado, de modo que a CGT, a grande força tranquila, é quem veio restabelecer a
ordem ao organizar a retomada geral do trabalho”.
Parafraseando Marx, o principal fruto do Maio de 68 não foi
o que os estudantes e trabalhadores ganharam, mas sim o que perderam: a perda
de suas ilusões.
No século XX, as experiências revolucionárias do
proletariado (Revolução Russa, Alemã, Espanhola, Maio de 68, etc.) sempre
encontraram a burocracia enquanto uma poderosa força a ser enfrentada. É
exatamente por esse motivo que existe a necessidade de combatê-la. Assim,
buscar intensificar a luta cultural contra essa classe e suas organizações
torna-se fundamental para aqueles que almejam a transformação social e a
emancipação humana.
TEXTOS E DEBATES - 1° de maio na França: "Em Maio de 68 tiveram medo? Em 2018 vamos fazer pior!"
por Gabriel Teles
A França tem sido palco de um
acirramento das lutas que há muito não se via. Ontem, 1° de maio, dia do
trabalhador, uma manifestação combativa pipocou em várias cidades francesas e
encontrou o seu auge em Paris.
Trata-se de uma resposta dos
trabalhadores e dos estudantes diante das medidas neoliberais que estão sendo
intensificadas, ampliando ainda mais a miséria, reforçando ainda mais a dominação
e exploração das classes desprivilegiadas daquele país.
Do ponto de vista dos
trabalhadores, a reforma da previdência e a reforma trabalhista corrói o que
restava dos direitos sociais. Ainda dispersa, a resposta dos trabalhadores é
paulatinamente colocada em várias manifestações de resistência e luta. Durante
este ano, diversas greves, dos mais diversos setores (da construção de aviões
até trabalhadores de fastfood) se intensificam cada vez mais.
Entre os estudantes a situação
não é diferente. Com a aprovação de um novo plano de educação superior (que
dificulta mais ainda o ingresso na universidade), o movimento estudantil ocupa
e bloqueia diversos centros universitários e vários campi (como a Paris 1
[Tolbiac] e 8 [Saint-Denis]). O histórico campus de Nanterre (berço do estopim
do Maio de 68 francês) também foi ocupado. Mesmo com a repressão policial, os
estudantes resistem.
Na fachada de um dos campi
ocupados, os estudantes alertam: "Em Maio de 68 tiveram medo? Em 2018
vamos fazer pior!"
Que na França, mas igualmente em
todo o mundo, lutemos para a passagem da guerra civil oculta e velada à guerra
civil aberta, expressando o processo de autonomização da classe operária, das
demais classes desprivilegiadas e dos movimentos sociais revolucionários gerando
a autogestão das lutas sociais pelas classes exploradas e pelos movimentos
sociais.
quarta-feira, 2 de maio de 2018
Reflexões Autogestionárias 05: Sobre o Presentismo
Reflexões Autogestionárias 05:
SOBRE
O PRESENTISMO
Rubens Vinicius da Silva
Na sociedade contemporânea, o apego acrítico à conjuntura e
o presentismo dela decorrente constrangem até os indivíduos mais avançados a
tomarem posição diante dos recentes e fugazes acontecimentos do dia a dia.
Ninguém quer ficar de fora das polêmicas do momento: sejam elas quais forem,
tais como a questão da cura gay e da criação de um estado na região da
Catalunha. Afinal de contas, há que ser ''críticos'', não é verdade?
Contudo, o que se
percebe é uma enxurrada opiniões eivadas de preconceitos e a consequente falta
de estudos rigorosos, a partir de concepções alicerçadas numa perspectiva de
classe definida e coerente.
Pois bem: isto tudo apenas evidencia a força das ideias,
mentalidade, valores, representações e ideologias dominantes, expressando a renovação
da hegemonia burguesa. Os meios oligopolistas de comunicação contribuem
sobremaneira para impedir e combater toda e qualquer crítica autêntica, que vá
à raiz do problema: a totalidade das relações sociais e de produção burguesas.
Neste sentido, vale tudo para desviar o foco essencial da
luta de classes, da acumulação de capital e da tendência (que existe e deve ser
reforçada, embora seja marginalizada e combatida com avidez pelos capitalistas
e suas classes auxiliares) de superação radical do capitalismo. O presentismo e
o conjunturalismo predominam e se manifestam no plano nacional e internacional,
na dinâmica dos movimentos sociais e classes sociais, bem como nas elaborações
intelectuais. No primeiro caso, temos a recusa do passado e também do futuro,
pautada na despreocupação com a necessidade de ruptura radical, a qual se apoia
na negligência do projeto revolucionário: a falta da alternativa
revolucionária, no caso da tendência presentista, aponta para a fixação do
cotidiano, a aceitação acrítica do conjunto das relações sociais capitalistas,
eternizando-as sob o manto de afirmações que nada explicam, tais como “a
prática é o critério da verdade”...
Os adeptos do presentismo aceitam e defendem as mudanças
legais, institucionais, justificam as alianças com a classe dominante e suas
classes auxiliares, as políticas estatais (que apenas reproduzem em escala
ampliada as relações de exploração e dominação de classe). Nada de ruptura
revolucionária: o que importa é o ‘dá pra fazer no momento’, leia-se o que é
possível fazer para nada transformar radicalmente.
Já o conjunturalismo é o reforço do presentismo: trata-se de
fetichizar a tão famosa ‘conjuntura’, negando a historicidade dos fenômenos
sociais e realizando uma simples descrição dos fenômenos ou acontecimentos (em
geral, aqueles vinculados à política institucional burguesa). Sem dúvida, é
necessário analisar a dinâmica da sociedade contemporânea: contudo, não se
trata de ficar nos limites da conjuntura e sim entender que a repetição da
mesma é na verdade a reprodução do cotidiano, ou seja, das relações sociais
capitalista na sua totalidade. Assim, é necessário partir da crítica da
conjuntura e ir além dela, o que remete para a questão fundamental: a
necessidade da defesa de um projeto alternativo de sociedade.
Assim, no primeiro plano, a nova onda do momento passa pela
defesa de pseudoliberdades individuais (num conjunto de relações sociais
marcadas pela exploração, dominação e alienação generalizadas, onde o combate
estéril fica na maioria das vezes preso aos limites da ciência versus teologia,
duas das principais formas de pensamento complexo a serviço da reprodução e
regularização deste modo de produção). Se os problemas que se generalizam em
nossa sociedade são produtos históricos e sociais, as falsas soluções
individuais, além de não apontarem para a transformação social radical acabam
por reforçar o cotidiano e a sociedade atual, fortalecendo o que dizem
combater.
Já no segundo, tem-se o resgate de um nacionalismo caduco
(que negligencia que toda forma de estado é produto da sociedade de classes):
como se a criação de um novo estado ou organização burocrática fosse a salvação
para a superação da exploração capitalista. Ainda mais num contexto de
neoliberalismo, acirramento de conflitos, ressurgimento de novas formas de
organização e aumento da miséria em todas as suas manifestações...
Desse modo, o resgate e defesa de um projeto alternativo e
revolucionário de sociedade, aliado à crítica radical do presente, (ou seja, da
conjuntura, muito além de uma simples análise) não é apenas um dos pontos a ser
colocados no debate: expressa a única forma de superação real e concreta destas
e de outras tantas ilusões fomentadas e reproduzidas em nossa sociedade.
Inclusive por indivíduos que buscam expressar uma perspectiva proletária
autêntica.
A ‘crítica’ não alicerçada num projeto de transformação
radical da sociedade é uma crítica vazia e contemplativa, revelando uma
pseudocrítica que aponta para mudanças pontuais que nada mudam, ou melhor,
conservam as relações desumanas e inautênticas que constituem a sociedade
atual. Assim, a verdadeira função da crítica revolucionária não é apontar
mudanças dentro da ordem burguesa, ou comentar sobre suas distintas formas de
manutenção. É demonstrar como o cotidiano, a conjuntura e o presentismo deles
decorrente são mais uma expressão desta sociedade. Como bem colocou Marx:
- "A crítica não arranca as flores imaginárias dos grilhões para que o homem suporte os grilhões sem fantasia e consolo, mas para que se livre delas e possam brotar as flores vivas."
- Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel [1843-1844].
Desse modo, ao invés de compactuar com a sociedade do
presente e sua conjuntura, o fundamental e urgente é apresentar uma alternativa
de superação total do conjunto de suas relações sociais. Isso só é possível com
a defesa do projeto autogestionário, que parte da necessidade de ir além do que
existente e cuja força material é o proletariado, a classe revolucionária de
nosso tempo.
Somente a partir da autogestão das lutas por esta classe, aliadas
à defesa da autogestão social por membros de outras classes e grupos sociais
que partilham do mesmo projeto terão a possibilidade real e concreta de
abolição do presentismo e do conjunturalismo, expressões da sociedade capitalista.
quarta-feira, 25 de abril de 2018
A Luta de Classes na Nicarágua [Textos e debates]
Textos e Debates
A
Luta de Classes na Nicarágua
Carlos
Henrique Marques
A situação na
Nicarágua é interessante para analisarmos vários aspectos que envolvem a luta
de classes nesse país. As manifestações, o governo e as políticas estatais, os
discursos ideológicos, são alguns destes aspectos.
As manifestações que
vêm ocorrendo na Nicarágua tiveram como estopim a reforma retrógrada[1] da previdência apresentada pelo presidente Daniel
Ortega. Esta reforma afetava os trabalhadores tanto na atualidade, pois os
ativos teriam que pagar mais e os aposentados receber 5% menos, quando no
futuro, pois a aposentadoria seria protelada e mais tardia.
Isso fez eclodir,
desde o dia 18 de abril, diversas manifestações, sendo que os estudantes
universitários formavam o contingente mais ativista no seu interior. As
manifestações foram duramente reprimidas e alguns falam em 9 mortos e outros em
25. A repressão violenta gerou novas manifestações e ampliação das
reivindicações. Emissoras de Rádio e Televisão foram atacadas pelos
manifestantes e o governo censurou canais de televisão. Um setor da população
passa a pedir a deposição de Daniel Ortega[2].
Assim, a sociedade
nicaraguense era palco de insatisfações com o governo, suas políticas, a
situação geral do país e as formas de resistência eram cotidianas e
localizadas, sem maior alcance coletivo e radicalidade. O decreto do governo
sobre a reforma previdenciária foi o estopim para as manifestações e essas, uma
vez ocorrendo, mostram a força da luta dos estudantes e trabalhadores, gerando
mais reivindicações, mais reflexões, mais manifestações.
É interessante
observar que o governo de Daniel Ortega tem uma origem que é a FSLN (Frente
Sandinista de Libertação Nacional), grupo de origem guerrilheira e de
extrema-esquerda. Foi eleito em 1984 e, após perder três eleições, foi eleito
novamente em 2006 e 2016, sob acusações de compra de votos, alianças
“perigosas” (capitalistas), etc. As políticas adotadas por Daniel Ortega são
neoliberais, mostrando, novamente, o caráter da esquerda como subordinada ao
capital e que pode ser integrada, temporariamente, no bloco dominante.
A reforma
previdenciária, recomendação do FMI (Fundo Monetário Internacional), é exemplo
dessas políticas neoliberais e foi o detonador das manifestações, convocadas
por estudantes e aposentados. Outro elemento que mostra a verdadeira face do
governo de Daniel Ortega é a violência estatal na repressão aos manifestantes,
deixando vários mortos, mais de 120 presos, 50 pessoas feridas, etc. Assim, na
dinâmica das lutas de classes, as políticas que afetam os trabalhadores geram
luta e resistência e essas, por sua vez, geram repressão estatal e pode gerar o
recuo ou avanço das manifestações. No caso nicaraguense, ocorreu o avanço das
lutas dos estudantes e trabalhadores.
Nesse contexto, o
governo nicaraguense visando conter as manifestações, recua em relação à
reforma retrógrada da previdência e busca incriminar os manifestantes, através
de um discurso legitimador da repressão. O governo acusa parte dos
manifestantes de serem compostos por “gangues” (nas manifestações de 2013 no
Brasil se usou o termo “vandalismo”) e distintos dos “pacíficos” para assim
justificar o aparato repressivo e seu uso. A vice-presidente, Rosario Murilo,
afirmou que as manifestações são dirigidas por “grupos minúsculos”, de “almas
pequenas, tóxicas, repletas de ódio”. O seu ataque aos manifestantes beira ao
grotesco: “Estas circunstâncias dolorosas manipuladas, esta corrupção de
pensamentos e intenções, estes corações doentes, carregados de ódio e
pervertidos, não podem semear o caos e negar aos nicaraguenses a tranquilidade
que graças a Deus temos”[3].
A luta de classes na Nicarágua
ultrapassou as lutas espontâneas cotidianas para lutas mais amplas e
autônomas. Nesse processo, pode haver uma maior politização da sociedade
nicaraguense e o crescimento do bloco revolucionário ao lado de organizações
autárquicas[4] dos trabalhadores, o que seria
fundamental para as lutas operárias posteriores. Isso, no entanto, também
depende da luta cultural na sociedade nicaraguense, o que pressupõe que o bloco
revolucionário deve intensificar a propaganda generalizada, o incentivo para
formação de organizações autárquicas, superar suas ambiguidades internas, etc.
Sem dúvida, isso também vai depender das ações do bloco dominante, atualmente
enfraquecido, e do bloco progressista, atualmente desgastado, mas que podem
fazer como no caso brasileiro: deslocar das questões sociais que interferem na
acumulação de capital e repartição da renda nacional (reformas retrógradas, por
exemplo) para outras questões (reinvindicações de grupos sociais, mudanças
culturais, etc.) ou para simples “troca de governo”. É nesse contexto que
ocorre a luta de classes na Nicarágua e que a luta deve se dar e esperamos que
não ocorra um retrocesso como no caso brasileiro, que impediu a sedimentação
das lutas expressas em 2013 e possibilitou uma retomada da “normalidade” e
desvio da luta de classes para outros processos despolitizadores.
[1] Uma reforma retrógrada, no atual contexto do
capitalismo, é uma reforma neoliberal que visa aprofundar o neoliberalismo e
retroceder no que se refere aos interesses dos trabalhadores.
[2] http://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2018-04/manifestacao-historica-pede-saida-de-ortega-do-governo-da-nicaragua
[3] https://g1.globo.com/mundo/noticia/protesto-contra-reforma-da-previdencia-deixa-tres-mortos-na-nicaragua.ghtml
[4] Organizações autárquicas são formas de
auto-organização e são distintas das organizações burocráticas, como partidos,
sindicatos, estado, etc.
sábado, 14 de abril de 2018
REFLEXÕES AUTOGESTIONÁRIAS 04: LULA E A LUTA REVOLUCIONÁRIA
Reflexões Autogestionárias 04:
LULA E A LUTA REVOLUCIONÁRIA
Matheus Almeida
A análise da realidade
social é um processo valorativo, que tanto carrega valor quanto produz
valoração. Tais valores geralmente são apresentados em lados opostos, que se
opõem entre si, o que seria reflexo da oposição política entre seus defensores.
A consequência mental imediata deste tipo de raciocínio é uma espécie de
maniqueísmo político, onde, de um lado, haveria os conservadores (defensores
dos valores e políticas conservadoras), e do outro, os progressistas (por sua
vez, defensores dos valores e políticas progressistas).
Acontece, porém, que
esta polarização apresentada é um fenômeno ilusório, colocando-se como se
pudesse cindir e resumir todo e qualquer posicionamento político existente a
esta dicotomia (variando-se, no máximo, distinções entre moderados ou
extremados em cada lado). O que esta dicotomia esconde é que ela expressa duas
faces do capital, dois lados de uma mesma moeda. Conservadores e progressistas
são, política ou valorativamente, variações de posições no interior do
capitalismo. A história de Lula e do PT, mais do que nunca, é expressão exemplar
desta afirmativa. Uma reflexão mais ampla neste sentido já seria o suficiente
para esclarecer a tragédia do petismo.
O princípio básico da
dominação de uma classe sobre as outras é apresentar seus interesses
particulares como se fossem universais. Obtendo sucesso nesta empreitada, tal
classe consegue apoio para realizar sua dominação, através da conquista do
poder do Estado e do modo de produção dominante. A lógica dos partidos
políticos não é tão diferente. Cada partido se esforça para apresentar e
convencer a maioria da população de que seus interesses particulares são
universais. Isto é fundamental para a conquista e manutenção do poder, seja
através de uma via democrática ou ditatorial.
No entanto, o interesse particular de nenhum partido (e todos os partidos possuem interesses próprios) é universal, mas são interesses específicos de classe. Melhor dizendo, são interesses particulares de uma classe ou frações de classe, que disputam entre si pelo poder. As disputas entre partidos são disputas interburocráticas, e não luta entre classes. Cada partido político busca se distinguir e se destacar na disputa frente aos demais partidos, e nesta busca reforça suas diferenças (de coloração, de valores, de candidatos, de programas etc.) e podem chegar até mesmo a se digladiarem em determinados momentos (eleitorais ou pré-eleitorais, em geral).
No entanto, o interesse particular de nenhum partido (e todos os partidos possuem interesses próprios) é universal, mas são interesses específicos de classe. Melhor dizendo, são interesses particulares de uma classe ou frações de classe, que disputam entre si pelo poder. As disputas entre partidos são disputas interburocráticas, e não luta entre classes. Cada partido político busca se distinguir e se destacar na disputa frente aos demais partidos, e nesta busca reforça suas diferenças (de coloração, de valores, de candidatos, de programas etc.) e podem chegar até mesmo a se digladiarem em determinados momentos (eleitorais ou pré-eleitorais, em geral).
O barulho que fazem em
suas disputas internas, por vezes, soa tão alto e voraz que nos convence de que
são inimigos de classe batalhando ou representantes de sociedades radicalmente
distintas em conflito. Não o são, e jamais serão. A marketização das distinções
entre partidos conduz nossos olhares a não ver as radicais similitudes entre
eles, que são determinadas por seu caráter de classe comum (a burocracia, que
no caso dos partidos da burguesia é subordinada, e que no caso dos partidos de
outras classes é soberana).
Todo partido político
almeja o poder do Estado (que nunca é demais lembrar, é um aparato do capital).
Para conquistar o poder do Estado, o partido deve fazer passar seus interesses
particulares como universais. Neste objetivo, deve convencer tanto as classes
trabalhadoras (sejam trabalhadores manuais ou intelectuais, que juntos são a
maioria da população), como principalmente a classe dominante no capitalismo: a
burguesia.
O poder da burocracia
não se exerce sem a anuência da burguesia. Isto porque os burocratas são seus
funcionários, são a principal classe auxiliar da burguesia.
Os maiores extratos da burocracia governamental não são eleitos (ou postos à força com um golpe de Estado) sem o apoio da burguesia. Com exceção de situações de tentativas de revoluções burocráticas ou de processos eleitorais conturbados, as condições materiais de elevação de um burocrata partidário a burocrata governamental são o apoio político e financeiro da burguesia. O tamanho da campanha de um candidato, o discurso que é aceito, os acordos com empresas, os conchavos político-partidários, o programa de governo, a recepção do capital comunicacional, entre diversos outros elementos são determinados pela relação de maior ou menor aceitação ou rejeição que tem a burguesia com relação a uma candidatura a burocrata estatal. Não há antagonismo entre o Estado (ele como um todo ou seus representantes) e a burguesia: aquele deriva da dominação desta, e perpetua tal dominação.
Os maiores extratos da burocracia governamental não são eleitos (ou postos à força com um golpe de Estado) sem o apoio da burguesia. Com exceção de situações de tentativas de revoluções burocráticas ou de processos eleitorais conturbados, as condições materiais de elevação de um burocrata partidário a burocrata governamental são o apoio político e financeiro da burguesia. O tamanho da campanha de um candidato, o discurso que é aceito, os acordos com empresas, os conchavos político-partidários, o programa de governo, a recepção do capital comunicacional, entre diversos outros elementos são determinados pela relação de maior ou menor aceitação ou rejeição que tem a burguesia com relação a uma candidatura a burocrata estatal. Não há antagonismo entre o Estado (ele como um todo ou seus representantes) e a burguesia: aquele deriva da dominação desta, e perpetua tal dominação.
Assim, as disputas
fratricidas entre os partidos e seus representantes exaltam suas diferenças
conjunturais, mas ocultam suas semelhanças essenciais: são duas faces
(conservadores ou progressistas) do poder político capitalista. Os distintos
projetos entre um partido e outro são elegidos a partir da necessidade
histórica que o capitalismo tem para determinado momento de um determinado
país. Estas necessidades históricas, portanto, é que configuram a forma estatal
de determinada época e, consequentemente, as formas governamentais que ali se
estabelecem. A forma estatal do período histórico do capitalismo que vivemos
(desde a década de 1980) é o neoliberalismo. Todos os governos de distintos
partidos que se estabeleceram no Estado neste período produziram variações
governamentais sob o/do neoliberalismo à brasileira. E com os governos do PT
não foi diferente.
A longevidade dos
governos petistas se deveu à combinação entre neoliberalismo e neopopulismo,
que gerou relativa estabilidade política e econômica durante quase uma década
(2003-2013), mas que se esgotou em seus próprios limites. Foi com o esgotamento
deste formato governamental, expresso, por um lado, no prejuízo crescente à
acumulação ampliada de capital (que desembocou na crise pecuniária), e por
outro lado, na dificuldade cada vez maior em controlar e amortecer os conflitos
sociais (evidenciada em Junho de 2013), que a paciência e o apoio da classe
dominante ao PT cedeu às iniciativas (frustradas enquanto vivíamos a
"estabilidade" dos primeiros anos de governo de Lula) organizadas do
antipetismo.
O crescimento da força
do antipetismo foi proporcional ao decrescimento da popularidade que as
políticas petistas passaram a adquirir. Lula e Dilma avançaram uma agenda
neoliberal no Brasil como nunca antes na história desse país. Baseados na
ideologia da conciliação de classes, tentaram governar para todos, para uns
mais que para outros. Os petistas carregam afixado na memória os números que
principalmente os governos Lula tiveram, que representaram uma tentativa de
solução neoliberal para o problema neoliberal de miséria extremada levado a
cabo pelos governos precedentes.
Se a insustentável
miséria material de muitos foi reduzida durante o governo petista, que se
iniciou em uma etapa de avanço e expansão da acumulação capitalista (o que
gerou maior "riqueza nacional"), as miseráveis consequências do
neoliberalismo igualmente foram garantidas. As mesmas políticas petistas,
somadas à acumulação de capital do momento, que geraram a elevação de consumo e
renda de parte da população também geraram o maior fosso entre a riqueza
concentrada nos 1% mais rico da população e a riqueza que todo o restante do
país possuía. Ninguém se beneficiou mais das políticas petistas que os mais
ricos.
Em meio à histeria
coletiva que se instaura entre os progressistas neste momento, de que estamos
prestes a viver o fim dos tempos, de que a ditadura e o fascismo de repente
apareceram com força por aí, pensar a gênese deste avanço conservador nos impõe
ter que ver as próprias políticas petistas na criação do monstro (e de seu
espantalho) denunciado. Lula, Dilma e o PT empurraram medidas que nem mesmo a
ditadura militar foi capaz de executar, como a construção da Usina Hidrelétrica
de Belo Monte. Aliás, para os indígenas, os últimos governos petistas
acarretaram, por conchavos e conivências, no acirramento dos conflitos por
terras de forma exponencial no Brasil. Desde a ditadura, nunca havia se
demarcado tão poucas terras indígenas como no governo Dilma.
O neopopulismo petista
gerou a cooptação e o aparelhamento de diversas organizações dos movimentos
sociais no Estado, reduzindo-as a correias de transmissão do governo. A
capacidade de mobilização e enfrentamento dos trabalhadores foi diretamente
impactada pela subordinação de suas atividades aos interesses do partido
dirigente das organizações de categorias e de seu vínculo com o governo. A
desarticulação do movimento operário se fez evidente, pois não interessavam
mais as greves gerais (menos ainda aquelas autônomas e selvagens), mas tão
somente as "mesas de negociação" entre seus
"representantes" e o Estado.
Os governos do PT, ao
seguirem a cartilha neoliberal, lançaram para os pobres, os trabalhadores, os
movimentos e militantes as armadilhas que seriam futuramente utilizadas contra
eles mesmos: o controle e a repressão do Estado Penal. Aumenta-se a vigilância,
declara-se que os seus opositores mais radicais são terroristas, eleva-se os
poderes do judiciário, fortalece-se os aparatos militares, negocia-se
intimamente com os conservadores de toda ordem. Os rumos desta história foram
traçados com as diretrizes progressistas.
A expansão do genocídio negro, a militarização da vida cotidiana nas favelas, o avanço do encarceramento em massa, a criminalização dos movimentos sociais e militantes divergentes são alguns dos elementos do pan-penalismo que os governos petistas reforçaram no Brasil. Nenhuma destas práticas ameaçava a democracia – pensavam corretamente os petistas, pois não dificultavam o andamento da democracia eleitoral burguesa, aquela que desperta libido aos partidos.
A expansão do genocídio negro, a militarização da vida cotidiana nas favelas, o avanço do encarceramento em massa, a criminalização dos movimentos sociais e militantes divergentes são alguns dos elementos do pan-penalismo que os governos petistas reforçaram no Brasil. Nenhuma destas práticas ameaçava a democracia – pensavam corretamente os petistas, pois não dificultavam o andamento da democracia eleitoral burguesa, aquela que desperta libido aos partidos.
Durante os anos dos
governos petistas, as lutas de classes se expressaram aí, no avanço do Estado e
do capital contra as classes trabalhadoras e grupos oprimidos e nas suas
reações, e não nas querelas dos partidos. As querelas entre os partidos, como
sempre, tinham como efeito principal retirar o foco da luta de classes
existente durante o governo progressista do PT deslocando-o (ideologicamente)
para os embates partidários.
Lula fortaleceu as instituições capitalistas, renovou a credibilidade em baixa dos aparatos estatais, e deu início ao processo de enfraquecimento e desarticulação das lutas sociais autônomas. Os resultados destas medidas foram o fortalecimento do bloco dominante, das forças conservadoras, e o isolamento do próprio petismo de suas antigas bases. A dinâmica da institucionalidade burguesa nunca foi controlada pelo PT, apesar destes partidários se iludirem com tal crença, ela apenas adotou este partido para se legitimar e se revigorar.
Lula fortaleceu as instituições capitalistas, renovou a credibilidade em baixa dos aparatos estatais, e deu início ao processo de enfraquecimento e desarticulação das lutas sociais autônomas. Os resultados destas medidas foram o fortalecimento do bloco dominante, das forças conservadoras, e o isolamento do próprio petismo de suas antigas bases. A dinâmica da institucionalidade burguesa nunca foi controlada pelo PT, apesar destes partidários se iludirem com tal crença, ela apenas adotou este partido para se legitimar e se revigorar.
Quando o PT passou a não
interessar mais à classe dominante, a própria institucionalidade burguesa
(arvorada pelo PT) foi utilizada para expurgar tal partido do poder executivo,
através do impeachment. Logo, diferente do que falam os progressistas
defensores da ideia de que houve um "golpe" contra Dilma, não foi
preciso a ruptura da própria dinâmica da institucionalidade burguesa para
retirar o PT da presidência, o que é uma prática frequente do capitalismo em
tantas outras ocasiões pelo mundo (e mesmo no Brasil, como foi com Fernando
Collor de Melo).
Lula acreditou nas
instituições porque o PT é parte das instituições, segue a lógica
capitalista-burocrática, e Lula era um de seus grandes dirigentes
(consecutivamente burocrata sindical, partidário e estatal). Daí suas medidas
para empoderar os aparatos estatais. Pelo discurso petista, parece que apenas
agora descobriram que os militares e o judiciário estão a serviço do poder.
Ora, eles já não estavam antes, durante a própria vigência do petismo? A
diferença da crença petista para a realidade é que estes aparatos não estão a
serviço do poder do partido governante (que no caso, era o PT), mas sim do
poder do capital, que é a relação social desenvolvida pela burguesia e que
determina a dinâmica do Estado.
Isto é explicitado
quando observamos que cinco dos seis ministros do Supremo Tribunal Federal que
votaram a favor da prisão de Lula foram indicados a estes cargos pelos próprios
governos petistas. O feitiço se volta contra o feiticeiro, que o conjura
achando poder controlá-lo. O PT abriu mão do enfrentamento até quando poderia
convencer a tal ação os ingênuos defensores de uma suposta "guinada à
esquerda" deste partido, em diversas ocasiões, inclusive na derradeira
prisão de Lula.
Em verdade, foi
exatamente o contrário o que ocorreu: enquanto as viúvas de Lula choravam a sua
prisão durante o seu comício, e vários falavam para "convocar uma greve
geral", os dirigentes petistas (e de suas organizações correias de
transmissão: CUT, MST, UNE e similares) diziam que era preciso "acumular
forças", o que é outro nome para dizer não ao enfrentamento e reafirmar as
querelas interburocráticas (entre partidos, e entre dirigentes partidários e
burocracia judicial). O espanto não é tal resposta dos dirigentes petistas e
para-petistas, mas sim a surpresa de quem acreditava que a resposta poderia ser
diferente.
Lula foi preso. O PT
está em derrocada final. A esquerda em migalhas. O progressismo no Brasil, tal
como em outras partes do mundo, teve seus dias de glória enquanto havia
crescimento da acumulação de capital, mas tão logo este reduziu, viu-se
consecutivamente enfraquecido pelo conservadorismo em ascensão. Os partidos,
movimentos e intelectuais progressistas se desesperam, todas as
"conquistas" (sic) parecem estar indo água abaixo. Se um novo partido
de esquerda não chegar ao poder do Estado será o fim, proclamam. Os interesses
particulares são anunciados, outra vez, como universais, esperando algum
retorno amplo das "massas". Nenhuma luta a favor dos trabalhadores
virá deste espetáculo fratricida.
Do ponto de vista dos
trabalhadores, nenhuma mudança substancial haverá entre os governos neoliberais
de esquerda fracassados e os governos neoliberais de direita em ascensão. O
saldo do Estado para estas classes será o mesmo: austeridade, exploração,
dominação, controle, repressão, opressão. O petismo cumpriu o interesse do
capital para o Brasil, foi descartado por seus ex-apoiadores, e agora o capital
fará cumprir seus interesses com outros partidos. A única possibilidade de se
evitar isto não é a ressurreição do moribundo petismo, mas a afirmação,
consolidação e generalização da força política radicalmente distinta: a revolucionária.
O antagonismo
fundamental existente no Brasil e no mundo não é entre conservadores e
progressistas, mas sim entre proletariado (a classe revolucionária da era
capitalista, onde reside o ponto de vista revolucionário) e burguesia (a classe
dominante, que juntamente com suas classes auxiliares podem se alternar entre
conservadores ou progressistas). A condição de possibilidade de impedir o
avanço do capital, à esquerda ou à direita, não é o endosso a algum dos lados
das querelas de partidos, mas o reforço da posição e perspectiva
revolucionárias diante das lutas de classes em curso no país. Para os
trabalhadores, apenas a auto-organização, a radicalização das suas lutas, com a
autogestão dos locais de trabalho, de estudo e de moradia, no enfrentamento ao
Estado e demais organizações burocráticas (como os sindicatos e partidos
políticos), assim como na negação do capitalismo, é que podem representar uma
resposta autêntica destas classes trabalhadoras frente às artimanhas da
dominação e exploração capitalistas.
Para os revolucionários, Lula é um inimigo de classe tragado pela dinâmica institucional burguesa. Outros inimigos de classe virão, e serão dispensados no interesse do capital, para dar lugar a novos inimigos. Se preciso, formas governamentais mais democráticas ou ditatoriais serão alternadamente elegidas pela burguesia. Em todas elas, a luta revolucionária encontrará obstáculos e necessitará romper com as ilusões da conciliação (outro nome para dominação) de classe e da redoma eleitoral dos partidos. Nem a via dura, nem a via suave da dominação pode interessar: a abolição do Estado e do capital é a única resposta, na conjuntura e para além dela, radical e realista.
Para os revolucionários, Lula é um inimigo de classe tragado pela dinâmica institucional burguesa. Outros inimigos de classe virão, e serão dispensados no interesse do capital, para dar lugar a novos inimigos. Se preciso, formas governamentais mais democráticas ou ditatoriais serão alternadamente elegidas pela burguesia. Em todas elas, a luta revolucionária encontrará obstáculos e necessitará romper com as ilusões da conciliação (outro nome para dominação) de classe e da redoma eleitoral dos partidos. Nem a via dura, nem a via suave da dominação pode interessar: a abolição do Estado e do capital é a única resposta, na conjuntura e para além dela, radical e realista.
"O povo, contudo, não terá a vida mais fácil quando o porrete que o espancar se chamar popular" (Bakunin)
"Dirigidos por nossos pastores, encontramo-nos apenas uma vez em companhia da liberdade: no dia do seu enterro" (Marx)
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