Para além da polarização burguesa!
Pela alternativa autogestionária!
O
termo crise é recorrente na história de países subordinados como o Brasil.
Crise econômica ou financeira, social, política e até “moral” (corrupção), como
ressaltam alguns. O atual cenário nacional parece conjugar todas elas.
Geralmente, as crises são encaradas como fenômenos que perturbam a rotina da
vida cotidiana. Mas, no capitalismo, elas não chegam a se configurar como
situações extraordinárias ou totalmente imprevisíveis, após séculos de
ocorrências. Na verdade, verifica-se uma tendência a se tornarem cada vez mais
frequentes, à medida que as possibilidades de expansão do espaço e dos meios de
acumulação de capital se tornam mais restritas. Em qualquer sociedade e época
em que ocorram os trabalhadores são os que mais sofrem com seus efeitos, mas
nos países capitalistas subordinados as consequências são piores.
O fim do ciclo de
expansão capitalista
Como explicar a atual crise brasileira e
seus desdobramentos políticos? Em primeiro lugar, embora as crises econômicas
ou mais restritamente financeiras sejam intrínsecas ao capitalismo, são raras
as que possuem potencial para levar o modo capitalista de produção ao colapso
definitivo. No capitalismo, podemos identificar dois tipos de crise: um é
gerado pela oferta excessiva de mercadorias, que o mercado não consegue
absorver devido à baixa renda da maioria dos consumidores, principalmente dos
trabalhadores, e o outro resulta da crescente incorporação de tecnologias mais
avançadas (trabalho morto ou capital constante) no processo produtivo, tendo
como contrapartida a dispensa de força de trabalho (trabalho vivo ou capital
variável), levando a uma queda na taxa de lucro, ao ponto de zerar. Em ambos os
casos, as crises são motivadas pela competição entre os capitalistas, que,
apesar de defenderem a liberdade de iniciativa e a livre concorrência (tal como
na ideologia neoliberal), cada um tenta eliminar os demais, buscando
monopolizar o mercado.
Embora o capitalismo se desenvolva na forma
de regimes de acumulação, no percurso de cada regime ocorrem ciclos de
desenvolvimento, incluindo os de expansão da acumulação, ideologicamente
chamados pelos economistas de “períodos de crescimento econômico”. À medida que
se sucederam os regimes de acumulação, as atribuições do Estado na garantia das
condições necessárias à acumulação de capital foram se ampliando, ao ponto de
se tornar imprescindível, não só à regularização das relações entre o capital e
a força de trabalho, além do seu controle disciplinar por meio da repressão,
mas também no financiamento das atividades econômicas. Atualmente, o
capitalismo se encontra no regime de acumulação integral, iniciado por volta da
década de 1980. Como nos demais, o Brasil se insere nesta fase na condição de
país subordinado.
Entre 2004 e 2013, o capitalismo brasileiro
passou por um ciclo de expansão com taxas de crescimento do produto interno
bruto – PIB – cujos índices oficiais positivos variaram entre 1,9% e 7,5%,
tendo sofrido uma queda de 0,1% em 2009 e atingido uma média anual de 4,04%
nesses dez anos. Nesse período, o consumo das classes trabalhadoras apresentou
um certo crescimento, sustentado por uma relativa estabilidade financeira, com
índice médio de inflação anual de 7,1% (índice de preço ao consumidor amplo –
IPCA – medido pelo IBGE), redução do desemprego e, mais importante, ampliação
do crédito com o consequente aumento do endividamento de importante parcela dos
trabalhadores.
Esse inusitado aumento do consumo das
classes desprivilegiadas, que contou ainda com políticas de distribuição de
renda estatal a famílias de trabalhadores mais pobres, por meio de programas
sociais como “Bolsa Família”, além do incremento do consumismo das classes
privilegiadas, serviu de estímulo para investimentos de capitalistas de origem
nacional, geralmente financiados por bancos estatais (Banco de Desenvolvimento
Econômico e Social, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil), e de
capitalistas estrangeiros. A maior parte do investimento destes últimos em
atividades produtivas se destina à indústria de bens de consumo duráveis,
particularmente ao setor automobilístico. Entretanto, a maior parte do capital
externo é aplicada na especulação, seja em ações de empresas nacionais seja em
títulos da dívida estatal. Os capitalistas nacionais investiram,
principalmente, no setor imobiliário e no comércio.
A ampliação do mercado interno na
promoção do desenvolvimento da acumulação de capital derivou de duas situações:
inicialmente, o aumento de recursos financeiros sob controle do Estado em
decorrência da estabilidade da moeda nacional, o real, e da entrada de dólares
advindos das exportações de produtos primários ou commodities (minérios e produtos agropecuários); num segundo momento,
a crise financeira internacional, que se iniciou no setor imobiliário da
economia norte-americana e se expandiu para vários países europeus, com
restrições às exportações de bens de consumo nacionais.
Conforme já indicado, o Estado teve
papel principal no estímulo à expansão da acumulação de capital no último
período. Porém, os meios utilizados (créditos e redução de alguns tributos como
o imposto sobre produtos industrializados – IPI) se esgotaram, a partir de
2014, devido aos crescentes déficits
orçamentários e ao aumento da dívida estatal junto a credores privados
(compradores de títulos da dívida pública). Enquanto
durou essa curta fase de expansão, os capitalistas, mais do que os novos
consumidores, fizeram a festa, apesar das expectativas de que poderia não durar
por muito tempo. É importante assinalar que a indústria nacional de bens de
consumo não foi a maior beneficiária da expansão do mercado interno. Algumas
análises afirmam que ocorreu, ao contrário, um recuo da produção industrial. O
aumento do consumo foi satisfeito, em parte, com produtos importados,
principalmente da China, que era também a maior compradora dos produtos
primários brasileiros.
Embora o governo petista encabeçado por
Dilma Rousseff tenha demorado a admitir que o Estado já não podia mais oferecer
os meios para manter o crescimento do PIB, as deficiências financeiras foram se
tornando cada vez mais evidentes. Nessas
circunstâncias, a diminuição do crédito e o crescente endividamento dos
trabalhadores provocaram uma rápida redução do consumo e aumento da
inadimplência. O que demonstra que, ao contrário da aparência, o tal
crescimento econômico não levou a um aumento real da capacidade de consumo dos
trabalhadores. Manteve, como se verifica em todo ciclo de expansão da
acumulação de capital, a riqueza concentrada. Com isso, o pequeno e o médio
capital entraram em dificuldade para se manter. Instalou-se a recessão.
Esgotado
o ciclo de expansão, os pequenos proprietários e certos setores da burguesia,
além de setores das classes privilegiadas não burguesas, inadequadamente
denominadas “classes médias” (burocracia ou administradores empresariais,
profissionais autônomos, dentre outros), passaram a manifestar seu
inconformismo, primeiro, protestando contra o governo no espaço doméstico
(“panelaços”), em seguida nos espaços públicos, realizando algumas
manifestações com grande quantidade de pessoas (com presença de diversas
classes sociais), tal como a de 13 de março. Mas, os
setores mais organizados e conscientes desse grupo, ao invés de explicitar para
todo o restante da sociedade os reais motivos do seu inconformismo, se apegam
às denúncias contra a corrupção, criticando a incompetência do governo e, no
caso de sua ala mais reacionária, a sua suposta orientação “socialista” ou
“comunista”. Com as sucessivas revelações de esquemas de corrupção (“mensalão”
e Petrobrás) constituídos por membros dos partidos que compõem a sustentação
parlamentar do governo, em parceria com banqueiros e empresários,
principalmente da construção civil, os inconformados consolidaram as críticas
ao governo e passaram a defender de modo mais enfático o fim do mandato da
atual presidente.
A polarização burguesa:
Governistas e Antigovernistas
Nesse contexto, a chamada crise política
se instaura. No fundo, desde as manifestações de 2013 vem ocorrendo um processo
conjunto de deterioração da governabilidade burguesa expressa no governo Dilma.
A crise de legitimidade da democracia burguesa acaba se confundindo com a crise
de legitimidade deste governo. Uma parcela cada vez mais ampla da população
mostra seu descontentamento com o governo. A emergência de novas forças
políticas, reacionárias, ao lado dos partidos e posições mais estáveis no
cenário político nacional, e a contestação espontânea da população se juntam às
disputas político-partidárias pelo poder. O bloco dominante, expressão política
mais organizada e consciente da classe capitalista e contando com apoio de
parte das classes auxiliares, manteve suas disputas internas num grau de
moderação que começou a ser rompido principalmente a partir de 2013.
As manifestações populares daquele ano
permitiram a ruptura do falso consenso existente, tanto por mostrar que o
governo Dilma não tinha uma base de apoio tão forte quanto se pensava, além de
mostrar o descontentamento de grande parte da população, aliado à dificuldade
crescente da acumulação de capital, o que vai se aprofundando nos anos
seguintes. O resultado das eleições de 2014 mostrou um enfraquecimento da
aliança estabelecida em torno do PT – Partido dos Trabalhadores – gerando uma
forte ala oposicionista no bloco dominante, e que vai se fortalecer nos meses
seguintes. As denúncias de corrupção e o pedido de impeachment acirraram ainda mais os ânimos dos dois campos do bloco
dominante em disputa pelo poder estatal.
A incapacidade do governo em resolver o problema
da crise financeira e o aprofundamento desta acabam fortalecendo a ala
oposicionista do bloco dominante. Isso vai provocando um isolamento cada vez
maior do governo, que perde aliados, incluindo setores do capital que antes lhe
apoiavam, perde popularidade, perde até mesmo setores da ala governista que
passam para a oposição. O isolamento progressivo do governo Dilma convive com a
rearticulação do bloco dominante, que concentra na ala oposicionista o
deslocamento das forças. A burocracia estatutária (aparato jurídico e
repressivo), setores do capital, PMDB e outros partidos que eram da base
governista, acabam passando para o lado oposicionista. Os meios oligopolistas
de comunicação avançam no sentido de deteriorar a já abalada popularidade do
governo e as manifestações de 13 de março só colocou nas ruas uma pequena parte
dos descontentes. As manobras palacianas para se manter no poder a qualquer
custo ficam cada vez mais restritas e o processo de impeachment ganha força.
É nesse contexto que emerge a nova
manobra governista: uma vez que perde cada vez mais apoio no interior do bloco
dominante apela para apoio popular – que dificilmente conseguirá em grande
escala – e apoio do bloco progressista,
os ditos “partidos de esquerda” e para uma maior mobilização dos setores
cooptados e aparelhados, desde as velhas centrais sindicais até os grupos
atrelados às políticas de identidade. Para efetivar isso, usa o estratagema
discursivo de propagar o combate ao “golpismo” e “fascismo”. Esse estratagema
discursivo busca aglutinar os setores progressistas da sociedade em apoio ao
governo e desviar a atenção da população da crise financeira, corrupção e
impeachment para um fantasma político inventado. A estratégia petista é ambígua
por estar no governo e não poder “assustar” a classe dominante, no contexto de
uma crise financeira, e ainda precisar apoio popular sem ter maior presença no
interior das classes desprivilegiadas e para isso precisar do bloco
progressista (especialmente os partidos de “esquerda”), que exige determinadas políticas
que assustam a burguesia. O discurso do golpe e fascismo disfarça um pouco o
caráter conservador da ala governista, mas o referido bloco também não tem
muita força, fornecendo um apoio modesto. Os setores da juventude e
intelectualidade que podem ser ponto de apoio, além dos já alinhados, também
não é expressivo, pois o bloco revolucionário e a maior parte das classes
desprivilegiadas também estão descontentes com o atual estado de coisas.
A polarização burguesa, ou seja, no
interior do bloco dominante, que aparece sob a forma de PT versus PSDB e outras forças políticas apenas mantém a discussão no
nível estatal e institucional. O PT busca transformar essa polarização entre
“direita” e “esquerda” (assim como setores da ala oposicionista), inclusive
gerando uma polarização secundária entre moralismo
conservador (mais forte no âmbito religioso, com força parlamentar e
social) e moralismo progressista
(oriundo do multiculturalismo e política de identidades). Assim, o
institucionalismo e o comportamentalismo servem para dividir a sociedade
brasileira em dois grandes grupos, no fundo, duas alas do bloco dominante que
expressam os interesses do capital. Essas duas polarizações, em que se disputam
quem vai assumir o poder e ditar a moral, no interior do capitalismo, exclui a
maioria absoluta da população, as classes desprivilegiadas, bem como a classe
revolucionária de nossa época, o proletariado. Da mesma forma, isola as
expressões políticas mais organizadas e coerentes do mesmo, o bloco
revolucionário. No entanto, as classes
desprivilegiadas continuam existindo, assim como sua insatisfação, bem como o
bloco revolucionário, apesar de suas debilidades.
A alternativa
autogestionária
É nesse contexto que o Movaut e o bloco
revolucionário devem atuar. Um dos elementos fundamentais dessa atuação é
romper com a polarização burguesa entre governistas e oposicionistas no âmbito
da política institucional. Isso pressupõe manter a crítica a ambos os lados e
aos que se aliam a um dos dois, bem como aos setores progressistas. Tanto faz
se eles usam a roupa vermelha como disfarce, pois sua alma é burguesa. Além
disso, é necessário realizar a crítica da ala semiproletária e ambígua dentro
do próprio bloco revolucionário. Não é possível omitir a crítica a setores que
se dizem “anarquistas”, “autonomistas”, entre outros nomes bonitos, mas que
apoiam governos que promovem sistematicamente políticas contra os trabalhadores
(corrosão de direitos trabalhistas e sociais) e contra o próprio bloco
revolucionário (vide lei antiterrorismo). É
fundamental, nessa crítica, deixar claro a necessidade de uma política
proletária, anti-institucional, autônoma e independente. Nem com os
governistas, nem com os oposicionistas! Contra a polarização burguesa e por uma
nova polarização, de classe, ou seja, trabalhadores contra burguesia, tanto faz
se sua máscara é vermelha ou verde-amarela.
Nesse sentido, é necessário ampliar a
luta cultural e as ações junto às classes desprivilegiadas. A superação da polarização burguesa passa
por um maior desenvolvimento da consciência e formas de auto-organização da
população, especialmente do proletariado e trabalhadores desempregados e
precarizados, bem como com os setores mais avançados da juventude. É
preciso colocar para a população a possibilidade de superar tal polarização e
para isso é fundamental deixar claro a existência da alternativa autogestionária.
Reforçar a luta dos trabalhadores e
apontar para sua autonomização e abandono das ilusões reformistas,
progressistas, governistas. O rompimento
com as organizações burocráticas (Estado, partidos, sindicatos, entre outras) e
o caminho da auto-organização, autoformação, luta direta, luta cultural. O
chamado à greve autônoma e independente deve ser a palavra de ordem dos
revolucionários de hoje, pois é somente na construção do movimento grevista que
as classes trabalhadoras elaboram suas táticas de ação, criam seus próprios
discursos, desenvolvem, portanto, sua consciência.
Nesse contexto, o Movaut declara que
somente a luta pela autogestão social tem sentido e que sua possibilidade está
dada, porquanto as explosões proletárias são imprevisíveis, mas geralmente
ocorrem em épocas de crise, distúrbios, impasses, como a que vive atualmente a
sociedade brasileira. No atual momento, a ampliação da luta sob as formas acima
elencadas é o principal modo de contribuir com a formação da alternativa
autogestionária como algo concreto e real.
Movimento
Autogestionário
Março
de 2016
Nem partidos, nem sindicatos!
Auto-organização já!!
Nem PT, nem PSDB! Não à via
parlamentar!!
Pela ação autônoma das classes
trabalhadoras!!
Construir a greve geral!!!