quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Carta aos revolucionários sobre o antifascismo



Carta aos revolucionários sobre o antifascismo

Alexandra Peixoto Viana

O antifascismo, encabeçado pelos partidos políticos da dita esquerda, causa uma polarização simplória e reducionista [1], necessária para a reprodução do capitalismo. Quando revolucionários optam por bradar o mesmo grito, nada fazem além de dar um tiro no próprio pé. Compreendo a intenção, e ela é boa, mas não é estratégica e mostra insuficiência teórica.
Reforçar esse discurso e, como inevitável consequência, essa polarização, principalmente em contexto eleitoral, só faz com que trabalhadores e militantes: 1) temam uma suposta ameaça fascista e, em reação, votem no “menos ruim”, iniciando enxurradas de discussões acerca do tal “voto útil” e distanciando-se cada vez mais dos princípios e objetivos revolucionários; 2) optem por ficar do lado dos semifascistas, reproduzindo ainda mais discursos de ódio e aumentando as chances de eleição do candidato tão repudiado pelos partidos de esquerda. Inclusive, quanto mais “ibope” é dado, quanto mais as pessoas se debatem contra determinado candidato, mais ele cresce em intenção de voto.
Além da falta de reflexão estratégica, o antifascismo expressa também insuficiência teórica. A fim de atingir a autogestão social, nossas energias devem ser sempre despendidas nesse sentido. Os meios devem apontar para os fins. Além disso, não faz sentido lutar contra o fascismo no bojo da sociedade capitalista, pois ele, se os capitalistas assim quiserem ou precisarem, aparecerá por mais que relutemos.
Afirmar que estamos sob ameaça de “golpes”, como no caso do impeachment da Dilma ou da suposta ditadura fascista que, não à toa, teóricos atrelados ao poder estatal – seja por cargos ou por interesses de classe, enquanto intelligentsia [2] sustentada por partidos como o PT – tanto discorrem e teorizam a respeito, é reconhecer que vivemos sob um regime democrático. Acho que, a essa altura do campeonato, todos sabem que não existe democracia (no sentido ideal da palavra, como “governo do povo e para o povo”) no capitalismo. As mudanças políticas que ocorrem estão sempre atreladas ao interesse da classe capitalista, ou seja, o “golpe” e ditaduras só ocorrem com seu aval e mediante sua necessidade – eles mandam nas regras do jogo e, portanto, não há e nunca houve nada de democrático no capitalismo.
Vale lembrar que o próprio PT já foi acusado de fascismo por anarquistas: “Pois se o ‘golpismo fascista’ significa desenvolver a militarização política, hoje o que existe de mais próximo de fascismo no Brasil é o próprio PT, que reedita leis da ditadura, prende manifestantes e mata pobres nos campos e favelas” (BLOG UNIÃO ANARQUISTA, 2015). A luta antifascista, além de seus problemas estratégicos e teóricos, torna-se redundante e tudo pode ser tido como fascismo.
Ademais, lutar contra a ameaça fantasma de ditadura não leva a um aumento da consciência de classe, como é pretendido. Ao contrário, aumenta a animosidade, pois diminui o diálogo e classifica pessoas, que podem ser apenas desinformadas ou levadas pelo que leem nas correntes de WhatsApp e Facebook, como fascistas cruéis. Sabemos que as coisas não são tão simples e que essas categorizações são pobres.
Por mais que pareça uma boa ideia, o antifascismo jamais vislumbrará algo além do capitalismo. Nesse esteio, a única forma de combater o fascismo é fortalecendo as pautas revolucionárias, estimulando o proletariado – ou seja, quem produz e tem potencial de transformar radicalmente a sociedade – a ter consciência dessa potencialidade. A luta cultural é nosso principal meio de conseguir algo, através do estímulo e apoio aos trabalhadores e suas associações auto-organizadas. Isso não pode ser feito a partir de uma denúncia do fascismo, mediante as argumentações supracitadas.
Assim, me parece muito mais interessante e eficaz – ao invés de discursar contra um determinado candidato ou posicionamento político – discutir o Estado e suas implicações, sua função na manutenção da exploração e sua inevitável finalidade de nos manter trancafiados, calados, calejados. O voto é, para nós, uma ilusão, e esse ideal sobressai ao medo de um candidato X ou Y por ser fascista – por mais que este seja, de fato, assustador.
Em suma, quanto mais denunciamos o fascismo, mais força ganham os discursos de ódio, aumenta-se a polarização política vazia de sentido e fortalece-se o modo de produção capitalista. Toda essa animosidade entre nós mesmos não leva a lugar algum, só retardada o movimento e mantém tudo como está. Lembremos que a autocrítica é uma das nossas mais necessárias ferramentas em tempos de exacerbado egocentrismo, e a exercitemos.  É preciso não esquecer do objetivo principal e final da nossa luta: a emancipação humana. Para isso, não podemos nos deixar levar por modismos ideológicos ou pelo medo. Precisamos enxergar o todo.

Notas
[1] A polarização “esquerda versus direita” é simplória e reducionista, uma vez que não enxerga além das estruturas de poder estatais e das relações de produção contemporâneas, intrínsecas ao modo de produção capitalista. Ou seja, apoiar partidos de esquerda não é ser revolucionário, uma vez que não se propõe a mudança radical da sociedade, mas, ao contrário, a aceita e se contenta com pequenas reformas. Sobre isso, poderíamos discorrer ainda acerca da vanguarda e outros discursos partidários contrarrevolucionários.
[2] Intelligentsia é um conceito exposto por Makhaïski. Ela é caracterizada como um exército de trabalhadores intelectuais que se aproximam, por seu nível de vida, da burguesia. Não constitui um proletariado instruído, como quiseram afirmar alguns ideólogos, como Kautsky. A intelligentsia é responsável por propagar ideologias (falsas formas de consciência sistematizadas) que convém ao interesse de manter os privilégios (manutenção de cargos e salários, incluindo cargos acadêmicos) e, portanto, está atrelada aos interesses de capitalistas e burocratas. Ou seja, é uma classe auxiliar da burguesia, a classe dos intelectuais. O ideal desta classe é a transferência dos meios de produção ao Estado, reduzindo a luta operária à construção de um “socialismo de Estado”, no qual fariam parte da nova burocracia e aumentariam sua parte na partilha da mais-valia global (TRAGTENBERG, 1981).

Referências

BARROT, Jean. O antifascismo é o pior produto do fascismo. Revista Marxismo e Autogestão, número 4, jul./dez. de 2015.
MAKHAÏSKI, Jan Waclav. O Socialismo de Estado. In: TRAGTENBERG, Maurício (org.). Marxismo Heterodoxo. São Paulo: Brasiliense, 1981.
TRAGTENBERG, Maurício (org.). Marxismo Heterodoxo. São Paulo: Brasiliense, 1981.
BLOG UNIÃO ANARQUISTA. Os presos políticos do PT. Disponível em: https://uniaoanarquista.files.wordpress.com/2015/02/cdp71.pdf (acesso em outubro de 2018).

As mudanças que as eleições prometem é que não vão mudar nada [Textos e Debates]

Textos e Debates

As mudanças que as eleições prometem é que não vão mudar nada

Edmilson Borges da Silva

Estas eleições marcadas por um forte apelo anticorrupção, nos mostra como os mesmos nomes fazem as regras do jogo. Os eleitos nas eleições anteriores são as novidades de agora, que são os mesmos que alimentaram um dos elementos inerentes ao capitalismo, ou seja, subornar, corromper, ser corrompido, fraudar, pra melhor entender, roubar e legalizar o roubo. Os ditos “homens de negócios” alimentam os abutres que lhes representam nas instituições do Estado, desta forma, o processo eleitoral é uma farsa em que o que se diz não é para ser cumprido, ou ainda, se diz o que está latente à audição de quem sofre as mazelas da exploração e opressão e esconde as tramas fundamentais que retroalimentam essa ordem. Desta forma, são os lobos que falam aos cordeiros como se proteger, o que é a verdade, o que é a ética, a moral, etc. Refletir como a novidade é aparente, mesmo sendo os nomes, em muitos casos conhecidos; como os partidos mudam o figurino sem mudar o conteúdo; como os templos continuam “abençoando” os feitores e, afirmar que a radicalidade de uma mudança não passará por essa vã esperança em que os exploradores orientam os explorados a repetir o ritual é a necessidade deste texto.
Número de deputados federais de Goiás no congresso nacional: 17
Eleitos em 2014
Os que disputam a reeleição em 2018
Estão na disputa do executivo Estadual
Na disputa como suplente de senador
Não disputam a reeleição mas apoiam outros candidatos
17
12
02
01
02
Os deputados federais eleitos em 2014, vários já vinham de reeleição e novamente estão no pleito eleitoral de 2018. Renovação é uma retórica. Estes dados estão disponíveis em sites dos tribunais eleitorais, Câmara Federal e em outros.
Estes números demonstram que não há novidades no fronte. A reeleição será garantida à maioria que fizeram quatro anos de campanha à custa do erário. Mesmo as renovações serão ocupadas por ex-deputados federais que eram suplentes ou ocupavam cargos nas instâncias estaduais ou municipais.
Delegado, pastor e policial são ocupações que aparecem antes do nome do candidato como um adjetivo apresentando e qualificando o nome postulando ao cargo. Como se isso fosse reserva moral da sociedade, se fosse qualidade supranormal. O uso da fé profana os templos, em busca do poder e da vontade desenfreada de determinar a subordinação da vida. A violência, o medo, o sofrimento vira discurso fácil na boca de quem é pago para combater a mesma, no entanto, é a sociedade marcada pela dissimulação e o Estado correspondente que facilita a emergência desse tipo que tenta se consagrar como um combatente do crime. Na verdade, sua emergência já é uma mentira e uma manipulação da triste realidade.
A ampla visibilidade da corrupção, lugar comum no discurso do eleitor, não altera o processo eleitoral, ao contrário, os escroques são os mesmos, as instituições são as mesmas e por isso, surrupiar o dinheiro público continuará galopante. O eleitor continuará elegendo os seus feitores em troca de migalhas ou de mais maldades.
Pelo menos seis partidos mudaram de nomes para disfarçarem suas picaretagens, mudar o nome sem mudar mais nada (o partido atualmente denominado DEM tem suas origens na antiga ARENA, passando para PDS e PFL; MDB, PMDB e retornou ao MDB; PTN virou PODEMOS; PTdoB se intitula AVANTE; PEN passou a PATRIOTA e PSDC para DC), existe os figurões que não mudaram os nomes dos partidos mas se transferiram para outros partidos, cientes que o eleitor não tem tempo para colher essas informações.
Desta forma os eleitores de forma inocente, induzidos ou com negócios no Estado, continuam participando da farsa legitimando-a. Ao que tudo indica, feitores de ontem ou de hoje chegarão ao poder com a gana do ilícito. A farda, o mal uso da fé, a polícia, negócios familiares – de pai pra filho – e outros vilipendiosos negócios fazem das eleições o que é, um balcão de negócios sórdidos.
No país o que se observa é isto, processo eleitoral de pais pra filhos, os patrões indicando/impondo candidaturas, o uso do Estado para legitimar o medo, a violência balizando nomes para dirigir o mesmo. O eleitor subjugado pela fé, o medo, a fome e uma vã esperança, somado ao oportunista, o larápio, o negociante do voto, aquele com interesse no Estado e de prontidão para agenciar o eleitor irá legitimar o processo garantindo aos mercenários/empresários o Estado como fórum privilegiado da exploração e opressão dos trabalhadores.  
Lutar por uma possibilidade de superação destas caras instituições que formam o Estado capitalista, de maneira a indicar sua superação, é o que sobram aos trabalhadores, portanto, votar nulo é legítimo e mais preciso quando se declara que a luta pela autogestão é condição necessária deste ato.