DIREITA E ESQUERDA: INIMIGAS DA EMANCIPAÇÃO
HUMANA
Rubens Vinícius da Silva
Os recentes acontecimentos e casos de violência têm
reacendido a velha discussão entre esquerda e direita, assim como entre
fascismo/nazismo e antinazismo/antifascismo. Diante deste cenário miserável, o
qual demonstra e reafirma a total hegemonia das ideias da classe dominante (ou
seja, das ideias dominantes, produzidas pela intelectualidade e a serviço da
reprodução desta sociedade) é fundamental realizar uma crítica que supere o
aparente e ao mesmo tempo aponte para um projeto realmente revolucionário e
emancipador.
Devido ao espaço e também à íntima ligação entre direita e
nazismo/fascismo e esquerda e anti-nazismo-fascismo, irei me ater ao
significado mais amplo destes dois lados da mesma moeda, que surgem no bojo da
primeira revolução burguesa vitoriosa da história, por pura questão de espaço:
os que eram a favor do governo revolucionário e suas medidas estavam à direita;
os que eram contra (mas não queriam derrubá-los para superá-los, senão para
substituí-los) sentavam-se à esquerda.
Pois bem: estes termos há um bom tempo não dão mais conta de
explicar a realidade. Servem mais para a confusão e legitimação das relações de
produção capitalistas do que o contrário. Os partidos de esquerda têm o mesmo
objetivo que os de direita (a conquista do poder estatal), se organizam da
mesma forma (burocraticamente, através da relação social dirigentes e
dirigidos, onde uma fração de classe específica, a burocracia partidária,
exerce o controle, a direção e toma as decisões no seio do partido) e partem de
uma ideologia (assim como os partidos de direita) que lhe é fundamental: a
ideologia da representação[1],
na qual os verdadeiros interesses são omitidos (conquista e manutenção de
privilégios, maior proximidade e possibilidade de atuar a serviço dos
capitalistas) e falsos interesses são proclamados, a revolução, por exemplo.
O que mudam concretamente são as ideologias políticas para a
conquista do poder estatal, as alianças e a base social do eleitorado. Fora
isso, esquerda e direita (leia-se suas respectivas burocracias e militantes
mais identificados com as práticas, valores e mentalidade desta fração de
classe) são inimigas da emancipação humana: têm horror à destruição das
relações de exploração, dominação e opressão características da sociedade
moderna, uma vez que isso significaria o fim de sua razão de existência, qual
seja, controlar, impedir, dirigir e conter toda e qualquer possibilidade de
autonomização da luta das classes e grupos sociais desprivilegiados.
No caso dos partidos de esquerda que não defendem as
eleições ou sua participação, a única diferença se dá na forma pela qual é
feita a luta pela conquista do poder de estado: via golpe ou insurreição,
realizado por uma minoria militarmente organizada e que se revela um estado em
miniatura. Em ambos os casos (conquista do poder pela via legal ou ilegal), não
há a abolição da produção e extração de mais-valor, não há a superação da
divisão social do trabalho, da especialização que lhe caracteriza e do trabalho
assalariado, bem como não se rompe com a lógica de dirigentes-dirigidos no
processo de produção e reprodução dos bens materiais necessários à vida.
Em suma, quando nos
remetemos às experiências históricas de tomada violenta do poder estatal por um
partido de vanguarda, que diz representar as classes trabalhadoras e em verdade
possui interesses próprios, ou seja, os interesses da burocracia partidária, o
que se tem é uma variante do capitalismo privado, onde a burocracia do partido
se torna burguesia de estado e as classes subsistem, assim como sua condição de
exploração, submissão e dominação. Assim, repete-se (como tragédia e como
farsa) um fenômeno nada novo: a luta de classes é substituída pela luta em
torno das ideologias. Em todos os países onde os partidos de esquerda tomaram o
poder, as relações de produção e as demais relações sociais capitalistas foram
mantidas e reforçadas. E o pior: o movimento operário e das demais classes e
grupos explorados/oprimidos foi duramente combatido, quer pela cooptação e
integração quer pela repressão aberta e violenta.
É urgente que os revolucionários avancem para além das
aparências e não se deixem levar pelo cotidiano desumano e pela consciência
imediata que dele decorre. Por isso mesmo a necessidade de formação política
revolucionária é fundamental. Deste modo, um ponto de partida interessante é
estudar as experiências revolucionárias do século passado, muitas das quais
foram derrotadas, esmagadas e depois tiveram seu real conteúdo apropriado e
deformado pelos próprios partidos de esquerda.
Do contrário não avançamos e as classes privilegiadas se
divertem com querelas, conversas e debates improdutivos como fascismo x antifascismo;
direita x esquerda; estado máximo x estado mínimo, etc... Neste contexto, a
única alternativa possível e que realmente deve ser reforçada é a luta direta e
encarniçada contra todos os partidos e demais organizações que reproduzem a
sociedade capitalista no seu interior.
A luta cultural contra o capital é também uma luta contra as
suas classes auxiliares (burocracia e intelectualidade). Os mais radicais
dentre estas, em momentos de amortecimento e estabilidade da luta de classes se
apresentam como amigos, defensores, 'representantes' das classes trabalhadoras.
Porém, um estudo atento das lutas recentes no país reforça o que as
experiências de luta revolucionária derrotadas já evidenciaram.
Longe de recuperar
essa distinção entre esquerda e direita, é preciso criar e se balizar em
conceitos que ao mesmo tempo expressem a realidade e contribuam para
transformá-la radicalmente. Sem a autonomização da luta proletária, este
processo dificilmente pode avançar e ser concretizado, uma vez que o
proletariado, devido às suas condições e situação de classe, é o único que pode
colocar um fim ao conjunto da sociedade capitalista.
Neste sentido, o combate às organizações burocráticas (no
caso da esquerda, partidos e sindicatos; no da direita, além destes, das demais
organizações a serviço do capitalismo) deve estar articulado à necessidade da
defesa da autogestão das lutas e sua generalização. Somente com a superação da
divisão social do trabalho e dos vínculos com a sociedade burguesa, aliados à
necessidade de expansão total das organizações não-burocráticas (que não se
fundam na relação de dirigentes e dirigidos, essencialmente produto das
sociedades de classes) e superação completa da totalidade das relações sociais
burguesas é que tanto a esquerda quanto a direita serão enfrentadas,
desmascaradas e poderão ser derrotadas, pois significam a manutenção da
miséria, da exploração e de tudo o que há de mais inautêntico e desumano na
humanidade.
[1] No
livro O que são partidos políticos?, Nildo Viana desenvolve melhor a discussão
entre a ideologia da representação e os verdadeiros interesses e objetivos da
burocracia partidária: http://2012.nildoviana.com/wp/wp-content/uploads/2012/09/O-Que-Sao-Partidos-Politicos-Nildo-Viana.pdf
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