COMO ASSIM VOCÊ NÃO É FEMINISTA?
Ao dizer
que não sou feminista, logo surgem algumas perguntas já com um “ar de
reprovação”, sem ao menos buscar saber o porquê de tal afirmação: Como assim
você não é feminista? Então você é contra a luta pela igualdade das mulheres em
relação aos homens? Como uma mulher pode não ser feminista?
Parece
natural que a reação da grande maioria das pessoas seja exatamente essa, a de
estranhamento diante do que parece óbvio: “toda mulher é/deve ser feminista”.
Isso acontece porque o feminismo é conhecido como o movimento que luta em favor
das mulheres, de todas as mulheres; um movimento que reivindica a igualdade
social e política entre os sexos. Apesar de hoje se falar de feminismo no
plural (os feminismos), todos eles, com raras e ambíguas exceções, consideram a
mulher — e não o proletariado — o sujeito da ação política, cujo interesse
fundamental seria a luta pela igualdade de direitos em relação aos homens, uma
luta pelo fim de sua opressão[1] numa sociedade “machista”
e “patriarcal”. Esse estranhamento ocorre justamente por se acreditar que o
movimento de luta das mulheres é homogêneo, isto é, desconsiderando que as
mesmas pertencem à classes sociais distintas, desvinculando suas lutas das demais
relações sociais e, por conseguinte, reduzindo-as meramente a uma relação entre
homem-mulher, onde sua opressão seria causada pela “maldade inata do homem”.
Nesse sentido, cria-se a ilusão de uma unidade entre as mulheres que através de
interesses comuns, independentes dos de sua classe, constroem uma “fraternidade
de sexo”, uma “sororidade”.
O
feminismo se coloca como representante dos interesses das mulheres como um
todo, mas, na verdade, representa os interesses das mulheres das classes
superiores[2]. Apesar de estar
ligado ao movimento das mulheres em geral, o feminismo é uma concepção ambígua
(que pode se manifestar sob a forma de ideologia, doutrina ou representações)
que diz representar os interesses das mulheres como grupo social em sua totalidade,
mas no fundo, representa os interesses
individuais, setoriais ou das mulheres de determinadas classes sociais)[3]. Não é possível, portanto,
falar em um movimento unitário das mulheres em uma sociedade dividida em
classes sociais.
De fato,
as mulheres sempre se rebelaram contra a situação social de opressão e
subordinação a qual estão submetidas, e isso ocorreu durante um longo processo
histórico e se desenvolveu sob diversas formas[4]. Contudo, o movimento de
luta das mulheres tem sido por natureza um movimento fragmentado, com múltiplas
manifestações, objetivos e pretensões diversas. O movimento feminino é
considerado por muitos como homogêneo. No entanto, ele é heterogêneo e possui
ramificações com variações em suas manifestações, como é o exemplo do feminismo[5].
Deste
modo, não podemos confundir o movimento social em sua totalidade, o movimento
feminino, com uma de suas ramificações, o feminismo[6]. É imprescindível fazermos
a distinção entre movimento feminino e feminismo, para compreendermos a
diferença entre ambos e superarmos o equívoco que considera todas as lutas,
históricas e concretas das mulheres como sendo lutas feministas.
Apesar do
feminismo ter mais destaque e hegemonia entre as mulheres das classes
superiores, assim como nos meios acadêmicos e de comunicação e suas exigências
aparentemente serem radicais, não se deve perder de vista o fato de que as
feministas não podem e não querem, devido aos seus interesses de classe, lutar
pela transformação radical da sociedade, sem a qual a libertação das mulheres
não se efetivará. O feminismo é expressão da classe burguesa em oposição ao
movimento feminino revolucionário, cuja expressão é a da classe operária. Seu
objetivo implica uma emancipação particular (somente das mulheres), uma vez que
afirma que o agente da libertação da opressão é o próprio indivíduo oprimido.
Logo, a libertação das mulheres seria obra das próprias mulheres. A tentativa
de associar a luta da mulher trabalhadora à luta feminista, não passa de uma
estratégia que desvia da luta de classes, negando o proletariado como único
agente histórico revolucionário.
A luta das mulheres trabalhadoras não pode
ser confundida com a ideologia feminista que busca uma “igualdade” em
conformidade com a ideologia dominante, ou seja, a integração das mulheres no
capitalismo “reformado”, através de conquistas parciais, tais como a
“representatividade” nas instituições burguesas que, aliás, não serão
alcançadas por todas as mulheres, mas criam a ilusão de que é possível
encontrar “seu lugar” na sociedade. Sem dúvida alguma, mesmo que estas reformas
sejam realizadas, a determinação fundamental da subordinação da mulher não será
eliminada.
Então
deve-se abandonar as lutas especificamente femininas em prol da luta de
classes? É óbvio que a resposta é não. O que está sendo combatido é a forma
como isso tem sido feito — além de isolar as lutas das mulheres, tornando-as
autônomas e independentes das demais lutais sociais e acima da luta de classes,
defende que a “maldade inata do homem” é a causa de sua opressão. Um equívoco
que contribui muito mais para a reprodução das relações de subordinação do que
para uma transformação radical dessas mesmas.
A luta,
entretanto, deve ser classe contra classe e não sexo contra sexo[7]. A substituição da luta de
classes pela luta entre os sexos é um verdadeiro entrave para a libertação das
mulheres. É por isso que a luta das mulheres trabalhadoras é ao lado de seus
companheiros de classe, os homens proletários, bem como de todos os homens e
mulheres que se engajam na luta pela revolução, e não ao lado das feministas,
mulheres que expressam os interesses da classe antagônica à sua. Para lutar
pela emancipação das mulheres não é preciso ser feminista, muito pelo
contrário, deve-se combater o feminismo e seu caráter burguês, pois somente
assim, as trabalhadoras poderão construir um movimento, no qual os interesses
de classe estejam acima dos interesses particulares, pois é somente através da
transformação social total, que as mulheres, em particular, e a humanidade, em
geral, poderá se libertar.
Combater o
capitalismo, colocando em primeiro plano a luta pela autogestão social ao lado
do movimento operário, segue sendo uma árdua, mas necessária tarefa das
mulheres trabalhadoras.
[1] Não há como negar
que na sociedade capitalista existe opressão e subordinação da mulher e que ela
passou por diferentes formas e graus, mas que ainda continua existindo. O
grande problema da mulher no capitalismo, bem como em toda sociedade de classe,
é a subordinação. A opressão nas sociedades classistas atinge tanto mulheres
quanto homens, mas a opressão da mulher segue sendo um problema maior que a dos
homens, pois ela é acompanhada da subordinação, transformando-se em algo
quantitativa e qualitativamente diferente. Ver Marxismo, Antropologia e
Subordinação da Mulher, Nildo Viana in A Opressão das Mulheres no
passado e presente – para acabar no futuro: uma perspectiva marxista,
Christophe Darmangeat, 2017.
[2] Sobre classes
superiores e classes inferiores ver “Classes superiores e classes inferiores”,
Viana, 2019.
[3] Sobre movimento
feminino e feminismo ver:
Movimento
Feminino e Feminismo, Marcus Gomes:
https://redelp.net/revistas/index.php/rms/article/view/06gomesms03;
O
Feminismo como Ideologia Reformista, Florence Oppen: http://phl.bibliotecaleontrotsky.org/arquivo/mv06neept/mv
06neept-11o.pdf;
Por
qué no soy feminista: Un manifiesto feminista, Jessa Crispin. Madrid: Lince, 2016;
Os
Fundamentos Sociais da Questão Feminina, Alexandra Kollontai: https://www.marxists.org/portugues/kollontai/1907/mes/fundamentos.htm;
Coletivo
8 de Março: http://coletivooitodemarco.blogspot.com/
Nuevo
Curso: https://nuevocurso.org/diccionario/feminismo/
Barbaria:
http://barbaria.net/tag/critica-al-feminismo/
[4] Concordamos com a
tese de que a opressão das mulheres tem sua origem nas sociedades classistas,
negando, portanto, a naturalização da opressão universal da mulher.
[5] Que, por sua vez, é dividido em
várias tendências: “liberais”, “radicais”, “existencialistas”, “marxistas”,
“anarquistas”, “socialdemocratas”.
[6] Os movimentos
sociais produzem diversas ramificações, isto é, um movimento social pode ser
considerado um caule do qual brotam diversos ramos. Essas ramificações, por sua
vez, são derivações dos movimentos sociais. Apesar de muitas vezes serem
confundidas com um movimento social em si, são partes dele sem ser sua
totalidade ou ele mesmo. Ver: Os Movimentos Sociais, Nildo Viana, 2016.
[7] Sexo contra sexo
ou classe contra classe:
https://www.marxists.org/portugues/reed-evelyn/ano/mes/sexo.htm
Simplesmente esclarecedor. Um texto obrigatório para toda sociedade
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