Ricardo Golovaty
Moisey Pistrak[1]
elaborou sua concepção de escola politécnica baseando-se na ideologia (falsa
consciência sistematizada) do “período de transição” de Lenin. Fato deveras problemático,
seja pelo debate sobre educação e revolução, seja pela atualidade conferida ao
autor no Brasil.[2]
Qual é, portanto, a herança de Pistrak à questão da
educação, escolarização e revolução?
Pistrak
desenvolveu suas posições em meio às disputas dos intelectuais e burocratas
bolcheviques sobre os rumos da Rússia pós-revolucionária (e contrarrevolucionária).
As suas noções de instrução politécnica ou politecnia e auto-organização
escolar forneciam a base de uma educação voltada para a formação ampla, do
desenvolvimento técnico, científico e político.
Pistrak
limitou-se a encontrar nos grupos de pioneiros e na juventude comunista,
ligados aos bolcheviques, as bases de tal democratização da burocracia escolar.
Pistrak
aceitou construir sua proposta politécnica nas necessidades imediatas da
acumulação de capital e desenvolvimento das forças produtivas, ou seja, da
formação, em curto período de tempo, de técnicos e de operários. Daí sua
relação contraditória com o taylorismo, do qual acreditava, ingenuamente, poder
depurar os elementos da dominação da gestão capitalista do trabalho,
concentrando-se apenas nos elementos da racionalização. Uma ideologia,
portanto.
Quanto ao nosso momento, ele não se
dá num processo de contrarrevolução burocrática, contudo, a burocracia é a alma
da escola burguesa.
Seja nas chamadas escolas públicas (na verdade, estatais), seja nas escolas
privadas, técnicas ou propedêuticas, a escola é o “paraíso da burocracia”, como
afirmava Maurício Tragtenberg. As relações de poder são permeadas pela
desigualdade. Há separação nítida entre planejamento e execução. Mesmo o corpo
docente, que possui, dependendo do local de trabalho, maior ou menor
possibilidade de autonomia no arranjo de seu trabalho, está constantemente
amarrado às avaliações externas, conteúdos (ementas), formas de avaliação dos
estudantes formatadas pela instituição, etc. Quanto ao corpo administrativo da
escola, encontramos o cenário, delineado na primeira parte, da migração (e
gratificação financeira, política, social) do intelectual para o burocrata, do
professor ao gestor, consolidando formas de manutenção e rodízio do poder
(reitorias, diretorias, chefias, coordenações) em disputas interburocráticas
que expressam como diferentes grupos lutam no interior de determinada
instituição.
A
burocracia como classe social faz parte da luta de classes. A classe
burocrática é contrarrevolucionária. Seja na sua expressão como classe auxiliar
da burguesia, seja na sua expressão radicalizada, com desejo de autonomizar-se,
como é o caso da ideologia bolchevique – o que explica parte da crescente
produção acadêmica sobre os pedagogos russos ou soviéticos, ou seja, a
radicalização que se apresenta como revolucionária, contudo, objetivando a
conquista do poder do estado.
Neste
cenário, quais são as posições, os enfrentamentos, que o militante
autogestionário deve realizar, como trabalhador da educação? O militante
autogestionário reconhece a escola como espaço da luta cultural e política.
Contudo, a ideia de busca de hegemonia em instituições de educação (escolas,
Institutos Federais, Universidades), sobretudo pela tão propalada tese da
“contra-hegemonia” interna, típica de burocratas, em busca de cargos, não é
coerente. A luta cultural e política se dá pela crítica radical do estado, das
instituições, do modo de produção capitalista e da burocracia. Nesse sentido, a
militância autogestionária pode estar na escola, contudo, não é ingênua e
reconhece que precisa revolucionar a totalidade de instituição escolar com
vistas à totalidade da sociedade capitalista.
Ao militante
autogestionário cabe a ação no interior do espaço de trabalho pela crítica
radical e pela demonstração da possibilidade de outra forma de sociedade,
sobretudo, em momentos de radicalização da luta de classes ou das lutas na
instituição escolar.
[1] Moisey
Mikhailovich Pistrak nasceu em 1888, sendo preso e assassinado em 1937. Não há
grandes informações sobre sua trajetória política e intelectual. Formou-se em
Físico-Matemática no ano de 1914 e era doutor em Ciências Pedagógicas. Outras
informações já decorrem de sua atuação após 1917. Em 1918 ingressou no
Comissariado Nacional de Educação, o NarKomPros, quando trabalhou na
Escola-Comuna Experimental-Demonstrativa Lepechinskiy. No mesmo ano em que
ingressa no Partido Comunista publica Fundamentos
da escola do trabalho. Outros dados são de 1931, quando atua no Instituto
de Pedagogia do Norte do Cáucaso e 1936, quando se torna diretor do Instituto
Central de Pesquisa Científica de Pedagogia, ligado ao Instituto Superior
Comunista de Educação, órgão do PCUS.
[2] Recentemente, com a edição de parte de suas obras, até então inéditas
por aqui, ao lado da publicação de outros pedagogos e ideólogos bolcheviques,
como Viktor Shulgin (1894-1965) e Nadezhda Krupskaya (1869-1939). Referimo-nos
aos seguintes livros: PISTRAK, Moisey. Fundamentos da Escola do Trabalho.
São Paulo: Expressão Popular, 2011. PISTRAK, Moisey. (org). A Escola-Comuna. São Paulo: Expressão
Popular, 2013. PISTRAK, Moisey. Ensaios sobre a Escola Politécnica. São
Paulo: Expressão Popular, 2015. SHULGIN, Viktor. Rumo ao politecnismo
(artigos e conferências). São Paulo: Expressão Popular, 2013.
KRUPSKAYA, Nadezhda. A construção da
Pedagogia Socialista. São Paulo: Expressão Popular, 2017. Nossa síntese
crítica aos estudos publicados no Brasil, sobretudo da área de
Educação/Pedagogia, sobre parte desses autores, se encontra na terceira nota de
rodapé do artigo GOLOVATY, Ricardo. A pedagogia socialista de Moisey Pistrak no
centenário da revolução russa: contribuição pelo olhar da história e da
sociologia da educação, In: História e Cultura. Unesp, Franca, v.6, n.1,
março 2017, p.213-240.
[a íntegra do artigo será lançada em breve, na revista Enfrentamento]
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