sexta-feira, 27 de julho de 2018

Nova edição da Revista ENFRENTAMENTO - PARA UMA CRÍTICA DA BUROCRACIA

Disponível a nova edição da Revista Enfrentamento!
Esta edição conta com contribuições de Nildo Viana, Edmilson Marques, Diego Marques, Rubens Vinícius e Jan Waclaw Makhaïsky, onde os autores aprofundam a crítica da burocracia (como classe social e forma organizacional) e do processo de burocratização do conjunto das relações sociais, iniciados na edição anterior. 
Do editorial:
"A classe operária, nos momentos de radicalização de suas lutas, torna consciente esta característica das lutas sociais. Contudo, cessado o ciclo de lutas, tal aprendizagem, via de regra, não se acumula, não se sedimenta. Em um novo ciclo, ela deve aprender de novo, pois surge uma nova geração de trabalhadores que aprende, novamente, por si mesma, o significado da burocracia enquanto classe. Somente quando houver a superação desta situação, de modo continuado no tempo e no espaço, é que veremos a possibilidade de uma nova sociedade se apontar no horizonte. A burguesia, quando a classe operária entra em luta, é facilmente identificável como inimiga. Essa identificação também ocorre com o estado, pois este acorre em reprimir o movimento. As burocracias inferiores, contudo, são as últimas a serem percebidas como inimigas. Quando isto acontece é porque a luta de classes já está radicalizada a níveis perigosos para a classe dominante. E esta faz tudo o que puder para evitar este degrau na luta do proletariado.''



domingo, 1 de julho de 2018

REFLEXÕES AUTOGESTIONÁRIAS 07: O QUE É SER REVOLUCIONÁRIO?


O QUE É SER REVOLUCIONÁRIO?

Carlos Henrique Marques

Uma das questões que surgem na sociedade capitalista e que é sempre motivo para questionamento dos militantes autogestionários é sobre o que é ser revolucionário. Ser revolucionário é apenas defender o projeto autogestionário, ou seja, ficar no nível das ideias? Apresentaremos, sinteticamente, uma resposta para isso.

O projeto autogestionário é parte e não a totalidade do movimento revolucionário. E tanto as ideias autogestionárias quanto os demais elementos do movimento revolucionário estão marginalizados em nossa sociedade no atual momento. E não poderia deixar de ser, pois sempre foi assim.

Em épocas de ascensão das lutas, estas saem da posição marginal e disputam, no interior das classes desprivilegiadas (e não na sociedade como um todo) a hegemonia e em momentos revolucionários se torna hegemônico. O movimento revolucionário é uma totalidade, que dentro do capitalismo, se manifesta fundamentalmente no plano das ideias, pois no plano das relações de produção permanece o capitalismo e o estudante, o intelectual, o professor, o operário, estão reproduzindo o capitalismo, seja produzindo mais-valor (operário), seja reproduzindo as instituições capitalistas (professores e estudantes reproduzindo a escola, a universidade) que possuem a função de reproduzir o capitalismo...

Obviamente que há a militância revolucionária, mas esta é, fundamentalmente, cultural e teórica. Ela é também de intervenção nas lutas, ações junto aos trabalhadores, etc., sendo essa parte mais limitada, tanto por existirem poucos revolucionários (indivíduos e grupos) quanto por existir pouca ressonância na sociedade. Ela consiste em formar grupos revolucionários, divulgar e fortalecer a luta cultural[1], atuar no interior do movimento operário, movimentos sociais, sociedade civil, quando isso é possível.

O problema é considerar que ser revolucionário é agir quando existe agitação, sendo que, na verdade, ser revolucionário é fazer o trabalho cotidiano para fortalecer a hegemonia proletária em certos setores da sociedade e que pode ocorrer também quando existe agitação, desde que na perspectiva revolucionária, embasada numa estratégia revolucionária e de acordo com as possibilidades de ação. Daí é fundamental ter em vista a distinção entre “ação desejável” e “ação possível”. A ação desejável é a que desejamos realizar, que pode se concretizar se for possível. A ação possível é aquilo que damos conta de fazer em determinado contexto. Por exemplo, fazer propaganda revolucionária generalizada no centro de uma grande capital é uma ação desejável, mas isso depende de recursos, militantes, etc., e num regime ditatorial, não é possível. Seria uma ação desejável, mas não uma ação possível. Para saber se é uma ação possível é necessário ter estratégia revolucionária e análise da conjuntura no sentido de compreender se há necessidade, possibilidade e utilidade em determinada ação.

Ser revolucionário não é apenas fazer discurso e nem apenas fazer agitação quando existe mobilização. Não se trata de apenas fazer discurso, mas sim de uma luta cultural, que assume inúmeras formas (propaganda generalizada, produção artística, produção teórica, divulgação de ideias, conversação cotidiana, etc.) e que tem pressupostos (autoformação, reflexão, estratégia, etc.). Da mesma forma, não se trata de apoiar toda e qualquer mobilização (é preciso saber de quem, com que objetivos, com quais reivindicações, quais suas tendências e consequências, etc.). Existe uma tendência, ligada ao praticismo e ativismo, de considerar que ser revolucionário é estar nas agitações e mobilizações. Isso é ser rebelde ou ser oportunista (depende da forma e objetivos pelos quais se faz isso), ou, ainda, ser ingênuo.

Ser revolucionário pressupõe objetivar a revolução e para isso é preciso saber o que é uma revolução e como elas se realizam e, historicamente já foi comprovado que o voluntarismo nunca gerou revoluções. A revolução é produto de uma classe social específica, o proletariado, e que pode até emergir a partir de lutas de outros setores da sociedade, mas não pode se concretizar sem ele. Se não há no movimento operário uma tendência para a revolução, de nada adianta o voluntarismo ou agitação. A agitação e mobilização sem essa tendência, pode gerar o efeito contrário do que se espera ou a repressão e enfraquecimento do movimento revolucionário. Por isso o militante não deve ser voluntarista e se considerar uma “vanguarda” e nem cair no reboquismo. O militante realmente revolucionário deve fazer um trabalho mais profundo e cotidiano de buscar criar condições favoráveis para uma vitória do proletariado. Esse trabalho deve ser cotidiano e fornecer armas para a luta do proletariado, tal como elementos de cultura, ideias revolucionárias, etc., para quem, em momentos de agitação e crise, haja o processo de autonomização do proletariado e sua passagem para classe autodeterminada.

Ser revolucionário significa uma luta cotidiana e constante, inclusive dos indivíduos contra eles mesmos (muitas vezes é preciso sacrificar os interesses pessoais para manter-se como revolucionário). É uma luta contra toda a sociedade existente, contra os valores dominantes, as ideias hegemônicas, as pressões sociais sob inúmeras formas. Ser revolucionário pressupõe ser forte e corajoso. Inclusive para não cair nas armadilhas do voluntarismo e da necessidade de dar satisfação para os outros de suas ações e posições, especialmente, nesse caso, para os progressistas (especialmente social-democratas e leninistas), pois eles necessitam de ativismo para garantir seus votos, uma imagem positiva diante da população, etc. Eles não são revolucionários e não entendem o que é ser revolucionário e por isso suas cobranças aos militantes autogestionários são ridículas e pautadas no reformismo e, na maioria dos casos, no oportunismo. Um revolucionário não se mede pelo discurso dos progressistas e sim pelo seu compromisso com a transformação radical e total das relações sociais e isso leva, fatalmente, a crítica ao capitalismo e suas expressões políticas e culturais variadas e ao falso socialismo dos progressistas, um elemento contrarrevolucionário que muitas vezes se infiltra no movimento operário e lutas sociais.

O revolucionário pode e deve ir em manifestações, apoiar greves, etc., mas não é um agitador, um aventureiro, um voluntarista. Esse momento da luta revolucionária é necessário quando embasado numa estratégia revolucionária, o que pressupõe uma análise e reflexão sobre sua ação e contexto. Um revolucionário jamais se dedica à “ação pela ação”, pois o seu objetivo é ação para a revolução. Por isso não se pode perder de vista nunca o objetivo e o significado de cada ideia, ação, posição, em relação ao objetivo final (revolução e autogestão).

Por isso é necessário, também, superar o romantismo e o obreirismo, buscando participar de toda e qualquer manifestação ou agitação, por causa de um pressuposto, equivocado e não-marxista, de que o “povo” (inclusive existem obreiristas que acabam achando que caminhoneiros são “proletários” ou “revolucionários”) é naturalmente e espontaneamente revolucionário. É preciso entender quem é o proletariado e quem são as outras classes, frações de classes, categorias profissionais, etc., e seus interesses (muito mais que seus discursos, que devem ser analisados também, mas a partir de uma concepção totalizante e que se atende para as relações sociais concretas e os interesses envolvidos nas lutas sociais por cada setor da sociedade). O proletariado é potencialmente revolucionário e é na luta que isso se concretiza. Essa luta é uma luta de classe e não se limita a meras “manifestações” de rua, algo pouco politizado e que pouco pode fazer para avançar a luta proletária. A luta do proletariado se revela muito mais – e de forma muito mais profunda e radical, nas ações no local de trabalho, nas greves, no desenvolvimento da consciência revolucionária (autoformação) e na constituição de formas de auto-organização. É por isso que o militante revolucionário deve buscar fortalecer esses elementos e é via luta cultural que ele pode, efetivamente, contribuir com esse processo. No entanto, a maioria dos militantes pouco agem em momentos de calmaria e em momentos de agitação se transforma rapidamente em ativista, sem ter estratégia, o que pressupõe reflexão e análise. Nesse sentido, o revolucionário reproduz o que faz o operário: passa da calmaria à agitação quando esse o faz. Mas o bom revolucionário é aquele que se antecipa, que busca criar condições favoráveis para o movimento operário conseguir sua vitória. O mau revolucionário é aquele que vai com as ondas, que não consegue distinguir luta operária de lutas de outros setores da sociedade e que fica entusiasmado com agitações que não possuem nada de revolucionárias e que nem contribuem com a ascensão da luta proletária ou fortalecimento do bloco revolucionário.

Em síntese, ser revolucionário é um projeto de vida e não é o mesmo que ativismo e voluntarismo. E o projeto autogestionário é o elemento fundamental e definidor do revolucionário. Ser revolucionário não é apenas ter um projeto autogestionário, ou “ideias autogestionárias”, é ter e buscar concretizar esse projeto através da luta. O revolucionário age sob várias formas, mas a forma principal é a luta cultural. Esse é o elemento fundamental do bloco revolucionário e no que ele mais contribui com o movimento operário e o ajuda a realizar sua potencialidade revolucionária. A formação de centros de contrapoder, a colaboração em greves e outras ações proletárias, são importantes e necessárias, mas são secundárias, a não ser em momentos revolucionários. A fusão do bloco revolucionário com o movimento operário pressupõe uma ampla luta cultural interna (para a superação das ambiguidades, incluindo o praticismo e o voluntarismo) e uma luta cultural externa pela hegemonia proletária. O revolucionário é aquele que vive para o futuro e a luta é o seu modo de ser e só tem sentido apontar para a revolução, o objetivo final. E toda luta cotidiana deve estar articulada com tal objetivo final, ou seja, com a revolução que instaura a sociedade autogerida realizando a libertação humana.