quinta-feira, 4 de junho de 2020

REFLEXÕES AUTOGESTIONÁRIAS 09: CAPITALISMO, INTERESSES DE CLASSE E POLÍTICA INSTITUCIONAL

Miopia Legislativa | GaúchaZH


CAPITALISMO, INTERESSES DE CLASSE E POLÍTICA INSTITUCIONAL

Rubens Vinícius da Silva

O caso brasileiro recente nos remete para um fenômeno que é recorrente na história das lutas de classes: as classes que detém ou auxiliam na manutenção do poder político buscam apresentar os seus interesses de classe (que são transitórios, históricos e se originam da posição ocupada na divisão social do trabalho constituída pelo modo de produção dominante) como sendo universais e válidos para todas as classes sociais. Com isso, conseguem camuflar e ocultar que seus interesses vão ao encontro da manutenção dessa sociedade.

Não nos iludamos: no contexto atual, marcado por uma queda na acumulação capitalista no país e reforçado por um cenário de pandemia, que agrava ainda mais a queda na acumulação de capital no resto do mundo, qualquer pretensa "ruptura" visa "mudar para conservar". Ficam intactos os interesses da classe dominante, isso às custas do aumento da exploração do proletariado e da precarização das demais classes inferiores: outra consequência mais do que grave é o aumento do lumpemproletariado (mendigos, desempregados, sem-teto, "autônomos", etc.), que expõe em todos os rincões do mundo capitalista a sua face mais cruel e desumana.

Noutras palavras: a intensificação das tensões entre setores da burocracia que expressam distintas posições políticas, vinculadas a setores da burguesia ("judiciário" versus "executivo", em linguagem ideológica) é na verdade uma disputa para quem vai melhor servir aos interesses da classe dominante: tem como objetivo implícito desviar o proletariado e demais classes inferiores da manutenção das relações de exploração e dominação de classe, cujo aumento crescente avança independentemente da sucessiva troca de governos.

Mais do que nunca, é necessário romper com o presentismo[1] e o personalismo[2] (quer dizer, a ausência da percepção da historicidade das sociedades e da especificidade de suas relações sociais, em conjunto com o isolamento fantástico de determinados indivíduos ou personalidades da totalidade das relações sociais e, na sociedade moderna, das relações de classe que as caracterizam), divulgando um projeto e consciência futurista da realidade: somente a luta por outra sociedade é algo são, realista e verdadeiro nesta sociedade doente, hipócrita e mentirosa em que vivemos. Ficar nos limites da conjuntura ou querer nela permanecer é escolher o “mal menor”, que só reforça ilusões e reproduz a miséria reinante.

É necessário não perder de vista que somente quando o proletariado, demais classes inferiores e setores que contestam o capitalismo se auto-organizarem de maneira autônoma e autodeterminada (ou seja, numa perspectiva autogestionária e revolucionária) seus interesses serão expressos. Tal processo deve avançar e se intensificar para além dos limites impostos pelo capitalismo: do contrário será tragado pelos interesses mesquinhos e particularistas da classe dominante (burguesia).

O resto é oportunismo ou miopia política: desde as lutas, greves e ocupações mais recentes nos últimos 10 anos é sabido que tanto o bloco dominante quanto o bloco progressista buscam, num primeiro momento, reprimir e negar o movimento espontâneo do proletariado e demais setores contestadores. Num segundo momento, alguns setores destes blocos sociais tentam de todas as formas canalizar tal movimento e se apropriar do mesmo segundo seus interesses de classe, com o objetivo de amortecer os conflitos e lutas sociais.

O capital sabe usar muito bem do par antinômico democracia e ditadura para com isso continuar preservando intactos seus interesses de classe e as relações de exploração e dominação. A verdadeira ditadura é a ditadura da burguesia, que surge nos locais de produção e se alastra para o conjunto da vida social. Não nos esqueçamos que foi o "governo democrático-popular" (eufemismo para os anos de governo neoliberal neopopulista do PT[3]) que reavivou as leis da ditadura militar para perseguir, criminalizar e melhor reprimir seus antagonistas e opositores.

Ao proletariado, classes inferiores e outros setores que contestam a sociedade capitalista o único caminho realista é generalizar e ampliar a ruptura com toda e qualquer organização burocrática, pois estas reproduzem a divisão social do trabalho e, portanto, relações de classes no seu interior.

A história do movimento operário indica o horizonte a ser retomado: a criação de novas formas de auto-organização (em conjunto com um processo de intensa luta cultural visando ao aumento da autoeducação e autoformação revolucionárias) que ao mesmo tempo ponham em xeque o capitalismo e sejam o embrião da sociedade futura, aliada à crítica implacável de todos os seus inimigos de classe (seja à direita ou à esquerda).

A velha máxima da luta proletária, em tempos de pandemia gerada pelo modo de produção capitalista, é cada vez mais atual: autogestão social ou barbárie!   


[3] No que tange aos anos de governo do PT, seu significado para a reprodução do capitalismo e posterior amortecimento da luta revolucionária: https://movaut.blogspot.com/2018/04/reflexoes-autogestionarias-04-lula-e.html.  

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