CAPITALISMO, INTERESSES DE CLASSE E
POLÍTICA INSTITUCIONAL
Rubens Vinícius da
Silva
O caso brasileiro recente nos remete para um fenômeno que é
recorrente na história das lutas de classes: as classes que detém ou auxiliam
na manutenção do poder político buscam apresentar os seus interesses de classe
(que são transitórios, históricos e se originam da posição ocupada na divisão
social do trabalho constituída pelo modo de produção dominante) como sendo
universais e válidos para todas as classes sociais. Com isso, conseguem
camuflar e ocultar que seus interesses vão ao encontro da manutenção dessa
sociedade.
Não nos iludamos: no contexto atual, marcado por uma queda
na acumulação capitalista no país e reforçado por um cenário de pandemia, que
agrava ainda mais a queda na acumulação de capital no resto do mundo, qualquer
pretensa "ruptura" visa "mudar para conservar". Ficam
intactos os interesses da classe dominante, isso às custas do aumento da
exploração do proletariado e da precarização das demais classes inferiores:
outra consequência mais do que grave é o aumento do lumpemproletariado (mendigos,
desempregados, sem-teto, "autônomos", etc.), que expõe em todos os
rincões do mundo capitalista a sua face mais cruel e desumana.
Noutras palavras: a intensificação das tensões entre setores
da burocracia que expressam distintas posições políticas, vinculadas a setores
da burguesia ("judiciário" versus "executivo", em linguagem
ideológica) é na verdade uma disputa para quem vai melhor servir aos interesses
da classe dominante: tem como objetivo implícito desviar o proletariado e demais
classes inferiores da manutenção das relações de exploração e dominação de
classe, cujo aumento crescente avança independentemente da sucessiva troca de
governos.
Mais do que nunca, é necessário romper com o presentismo[1] e o personalismo[2] (quer dizer, a ausência da
percepção da historicidade das sociedades e da especificidade de suas relações
sociais, em conjunto com o isolamento fantástico de determinados indivíduos ou
personalidades da totalidade das relações sociais e, na sociedade moderna, das
relações de classe que as caracterizam), divulgando um projeto e consciência
futurista da realidade: somente a luta por outra sociedade é algo são, realista
e verdadeiro nesta sociedade doente, hipócrita e mentirosa em que vivemos.
Ficar nos limites da conjuntura ou querer nela permanecer é escolher o “mal
menor”, que só reforça ilusões e reproduz a miséria reinante.
É necessário não perder de vista que somente quando o
proletariado, demais classes inferiores e setores que contestam o capitalismo
se auto-organizarem de maneira autônoma e autodeterminada (ou seja, numa
perspectiva autogestionária e revolucionária) seus interesses serão expressos.
Tal processo deve avançar e se intensificar para além dos limites impostos pelo
capitalismo: do contrário será tragado pelos interesses mesquinhos e particularistas
da classe dominante (burguesia).
O resto é oportunismo ou miopia política: desde as lutas,
greves e ocupações mais recentes nos últimos 10 anos é sabido que tanto o bloco
dominante quanto o bloco progressista buscam, num primeiro momento, reprimir e
negar o movimento espontâneo do proletariado e demais setores contestadores.
Num segundo momento, alguns setores destes blocos sociais tentam de todas as
formas canalizar tal movimento e se apropriar do mesmo segundo seus interesses
de classe, com o objetivo de amortecer os conflitos e lutas sociais.
O capital sabe usar muito bem do par antinômico democracia e
ditadura para com isso continuar preservando intactos seus interesses de classe
e as relações de exploração e dominação. A verdadeira ditadura é a ditadura da
burguesia, que surge nos locais de produção e se alastra para o conjunto da
vida social. Não nos esqueçamos que foi o "governo
democrático-popular" (eufemismo para os anos de governo neoliberal
neopopulista do PT[3])
que reavivou as leis da ditadura militar para perseguir, criminalizar e melhor
reprimir seus antagonistas e opositores.
Ao proletariado, classes inferiores e outros setores que contestam
a sociedade capitalista o único caminho realista é generalizar e ampliar a
ruptura com toda e qualquer organização burocrática, pois estas reproduzem a
divisão social do trabalho e, portanto, relações de classes no seu interior.
A história do movimento operário indica o horizonte a ser
retomado: a criação de novas formas de auto-organização (em conjunto com um
processo de intensa luta cultural visando ao aumento da autoeducação e
autoformação revolucionárias) que ao mesmo tempo ponham em xeque o capitalismo
e sejam o embrião da sociedade futura, aliada à crítica implacável de todos os
seus inimigos de classe (seja à direita ou à esquerda).
A velha máxima da luta proletária, em tempos de pandemia
gerada pelo modo de produção capitalista, é cada vez mais atual: autogestão
social ou barbárie!
[2] Sobre isso, conferir: http://movaut.blogspot.com/2018/05/reflexoes-autogestionarias-05-sobre-o.html.
[3] No que tange aos anos de
governo do PT, seu significado para a reprodução do capitalismo e posterior
amortecimento da luta revolucionária: https://movaut.blogspot.com/2018/04/reflexoes-autogestionarias-04-lula-e.html.
Nenhum comentário:
Postar um comentário