O que é que os estudantes tem a ver com
as greves que eclodiram em mais de 50 universidades federais? Por qual motivo
muitos estudantes são a favor de tal greve e decretam “greve estudantil”? Os
discentes não são prejudicados com a paralisação, pois as aulas são interrompidas,
a emissão de diplomas, término de cursos, etc.? Essas questões merecem uma
discussão mais profunda e vamos apontar alguns aspectos a seguir.
O movimento
estudantil – e por esse nome se entenda um movimento social e não uma
organização burocrática como a UNE (União Nacional dos Estudantes), atreladas a
governo ou partidos – a favor da greve não é gratuito, pois existe uma relação
íntima e forte entre o movimento grevista dos professores e os estudantes. Essa
relação, aparentemente, é expressa no apoio que diversos estudantes oferecem ao
movimento e a crítica que outros fazem ao mesmo. Mas existe uma relação mais
profunda. Esta relação remete a questões fundamentais que envolvem os interesses dos estudantes. Para entender
essa relação é necessário, inicialmente, explicar o contexto atual e as
motivações para o movimento grevista. Isso também ajuda a superar as posições
imediatistas e individualistas de alguns estudantes que são contra o movimento
grevista e não percebem que estão agindo contra seus próprios interesses.
O contexto atual é marcado por um
processo de precarização das
universidades federais, que se inicia com força a partir da emergência do
neoliberalismo no Brasil, com o Governo Collor e reproduzido pelos governos
posteriores até o atual. Nesse processo, as universidades federais perderam
muita coisa e a situação piorou bastante. Houve um sucateamento da mesma, bem
como diminuição de recursos, mercantilização e indícios de privatização
(criação de taxas, cursos de especialização que antes eram gratuitos e passam a
ser pagos, incentivo a parceria “público-privado”, busca de fontes de recursos
externos, etc.). Essa precarização também atingiu os estudantes no que se
refere à política de assistência estudantil (terceirização dos restaurantes
universitários é só um exemplo), qualidade do ensino, custos para realização de
cursos, etc. O Governo Dilma dá continuidade ao Governo Lula e aponta para uma
intensificação dessa precarização, e a “reforma universitária”, o Reuni e
outras iniciativas apontam para isso. A eclosão da greve dos professores se dá
nesse contexto e com a proposta do governo de reformulação do plano de carreira
e outras medidas que atingem a universidade como um todo.
Assim, essa intensificação da precarização da universidade atinge os estudantes
universitários diretamente em alguns pontos, a saber: política de assistência
estudantil, qualidade do ensino, participação política na universidade. As políticas de assistência estudantil já
foram precarizadas há muito tempo e mesmo antes disso já deixavam a desejar. Contudo,
as limitações das políticas de assistência estudantil aumentaram bastante a
partir da emergência dos governos neoliberais que buscam criar as condições adequadas
para o aumento da exploração geral, objetivo do regime de acumulação integral,
a nova forma da acumulação capitalista que começa a se constituir a partir dos
anos 1980. As casas de estudantes são poucas e com poucas vagas, além de muitas
nem existirem em determinadas universidades e serem extremamente precárias em
outras. Os restaurantes universitários oferecem comida de baixa qualidade – que
gera até problemas de saúde, como a famosa gastrite gerada pela alimentação
durante muito tempo em tal lugar –, alguns foram fechados ou terceirizados,
piorando mais ainda. Alguns benefícios, como bolsa permanência, acaba servindo
a propósito contrário, pois o auxílio financeiro que seria para que o indivíduo
carente pudesse manter-se na universidade acaba servindo de pretexto para
setores da burocracia universitária usar tais estudantes como força de trabalho
barata no setor administrativo. O número dessas bolsas é pequeno e o valor
muito baixo, bem como o de outras bolsas existentes.
A qualidade
de ensino, que já é baixa, tende a se tornar pior com as inovações
propostas pelo governo Dilma. Entre elas, há o aumento da carga horária em sala
de aula dos professores (o que significa menos tempo para pesquisa e extensão,
e para ensinar é preciso pesquisar...), vinculação de projetos de pesquisa com
a instituição (o que diminui a autonomia de professores e alunos, bem como pode
ampliar o atendimento de demandas de empresas em detrimento dos interesses da população),
mudanças no processo de ascensão na carreira (mesmo o doutor começa no nível
mais baixo, o de professor auxiliar, demorando em torno de 25 anos para chegar
ao topo da carreira, o que é um elemento de desmotivação), bem como defasagem
salarial, falta de recursos para pesquisa, participação em eventos, etc. Isso
tudo atinge os alunos diretamente e também indiretamente no futuro, pois grande
parte dos estudantes terá como campo de trabalho a própria universidade na situação
(hiperprecarizada se a situação não for revertida) de professor universitário.
A queda da qualidade de ensino também provoca a formação de estudantes
universitários que terão que competir em piores condições no mercado de trabalho,
mesmo porque os governos neoliberais incentivaram e financiaram a expansão do
ensino superior privado e ao sucatear as universidades federais, aumentam a competitividade
deste sem que ele tenha que aumentar a qualidade e ter mais custos.
Por último, a participação estudantil na
universidade que sempre foi restrita vem sendo ainda mais prejudicada com o burocratismo crescente (geralmente
acompanhado pelo autoritarismo de pequenos “caciques”) das instituições federais
de ensino. O controle burocrático (a vinculação de projetos de pesquisa e
universidade é só um exemplo) se torna cada vez mais intensivo e isso diminui a
liberdade de expressão, de manifestação e autonomia intelectual (de professores
e alunos), fundamentais para o desenvolvimento do pensamento crítico e produção
intelectual. A presença da polícia militar nos campus de algumas universidades
é apenas um antecipador do processo repressivo que tende a se intensificar
devido às novas políticas educacionais do governo atual.
Nesse sentido, a greve dos professores
atinge diretamente diversos destes
aspectos, principalmente o que se refere à questão da qualidade de ensino e, em
certa parte, nos aspectos que apontam para a questão da autonomia e democracia. Além disso, existem propostas mais amplas
de setores dos professores que abrangem todo um projeto de universidade, o que
é de interesse fundamental dos estudantes, e outros que incluem reivindicações
estudantis e ampliação da democracia interna.
A chamada “greve” estudantil (na verdade
boicote às aulas e mobilização) tem como elemento unificador com a greve dos
professores o fato de ser atingido pela precarização das universidades
federais, o que é produto das políticas neoliberais para a educação. Essa
unidade de interesses é reforçada pelo próprio poder de pressão maior com a unificação
das lutas de professores, estudantes e técnico-administrativos. Outro elemento
de unificação é a luta em torno da qualidade de ensino, bem como outras
questões relacionadas como autonomia universitária, política de pesquisa,
política de extensão, etc.
Nesse sentido, o conjunto de reivindicações
estudantis abarca política de assistência aos estudantes (ampliação e
melhoraria dos restaurantes universitários, bibliotecas, casas de estudantes,
bolsas, etc.), qualidade de ensino (atendimento das reivindicações dos
professores, participação de alunos em processos seletivos para contratação de
professores na prova didática para evitar formas de beneficiamento de
candidatos, melhoraria da infraestrutura, reformulação do Reuni, etc.),
participação estudantil (autonomia universitária, democratização da universidade
através da paridade, ampliação da participação estudantil em todas as instâncias
da vida acadêmica, etc.).
Obviamente que todas essas reivindicações
são apenas parte de um todo e que depende da força do movimento estudantil, que
deve se livrar das formas arcaicas, burocráticas e corrompidas de organização,
reforçando as organizações de base e auto-organização dos estudantes,
inclusive visando apresentar um projeto de universidade que contribua com a transformação
social e não com a reprodução do que existe (exploração, dominação, opressão,
corrupção, etc.). As raízes de tais políticas que geram precarização se
encontram no regime de acumulação integral, forma atual do capitalismo.
Portanto, a luta é também contra o neoliberalismo e o capitalismo. A
autonomia e democratização da universidade, aliada a uma ampliação das
políticas de extensão e auto-organização estudantil, são processos que podem
reforçar a luta pela renovação do papel da universidade, rompendo com modismos,
vínculos com interesses mercantis e governamentais, e assumindo uma posição mais
próxima da população e dos seus interesses, o que, por sua vez, deve revigorar
a luta por uma nova sociedade, pela autogestão
social.
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A Greve nas Universidades Federais
A UFG e os desafios da atualidade
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