terça-feira, 7 de julho de 2020

REFLEXÕES AUTOGESTIONÁRIAS 11: A IMPORTÂNCIA DA AUTOFORMAÇÃO PARA A CONVICÇÃO REVOLUCIONÁRIA





A importância da autoformação para a convicção revolucionária

Gabriel Teles

A Autogestão Social é o maior e mais belo projeto político empreendido na história da Humanidade. Essa utopia concreta, que aponta para a emancipação humana, nos leva a necessidade de transformar radicalmente a totalidade das relações sociais derivadas da atual sociedade capitalista na qual vivemos, fundada na divisão entre classes sociais. Trata-se de uma nova sociedade radicalmente distinta, com um outro modo de produção, outras formas sociais e uma outra maneira de se viver e expressar nossas verdadeiras potencialidades enquanto seres humanos.
Aquele que almeja essa nova sociedade, a aurora da humanidade, busca contribuir com o processo revolucionário que nos leve até ela. O denominamos de revolucionário. O revolucionário é aquele que, como bem disse Carlos Marques em “O que é ser revolucionário?[1], luta e busca concretizar o projeto autogestionário, acima de seus interesses individuais. Assim, o revolucionário vincula o seu projeto de vida ao projeto revolucionário; se liga, numa atitude de coragem e convicção, aos objetivos históricos da classe social que possui os interesses e potencialidade de efetivar a revolução social, o proletariado. Tal atitude não é fácil: ser revolucionário, numa sociedade que respira o ar pesado das ideias dominantes, significa remar contra a maré num frágil barco sem hastilhas. Em momentos não-revolucionários, ser revolucionário é lutar contra quase tudo e todos, inclusive consigo mesmo, com nossos interesses individuais que eventualmente podem se chocar com os interesses históricos que buscamos expressar. A convicção, então, é fundamental; e um revolucionário só pode sê-lo se tiver convicção daquilo que acredita.
A convicção revolucionária é radicalmente distinta de uma opinião[2]. Uma mera opinião  política é tão frágil que com uma simples oscilação do indivíduo ou do meio que o cerca (condições políticas, arrefecimento de uma luta que o indivíduo faz parte, etc.), pode ser desfeita e cessar. Em muitos casos, a anedota sobre os jovens é correta: incendiário na juventude e bombeiro em idade adulta. Quem não conhece aquele conhecido ou amigo que, quando jovem ou dentro de um processo de intensificação das lutas sociais, torna-se um ardente militante, mas tão logo passa a sua fase de ressocialização (determinação fundamental da juventude) ou as lutas esmorecem, ele volta a ter atitudes conservadoras, a taxar de radicais aqueles que ainda continuam na luta ou aprofundam a sua perspectiva revolucionária? Se o indivíduo em questão só possui uma mera opinião frágil sobre a necessidade de mudar o mundo, será necessária pouco vento para que ele debande para uma visão mais moderada ou até mesmo conservadora. Esse indivíduo, no máximo, vai à reboque dos sabores e dissabores da dinâmica das lutas de classe, podendo conjunturalmente se radicalizar ou tornar-se mais conservador de acordo os ventos do cotidiano capitalista. As opiniões, enfim, estão na superfície da mentalidade do indivíduo, não descortinam os elementos e determinações mais profundos da mentalidade.
Esse exemplo, definitivamente, não aponta para um caráter revolucionário necessário a uma pessoa que busca a transformação social. Isso, exige, como dissemos, convicção. A convicção pode ser fundamentada em diversos processos sociais: sentimentos, valores, interesses, razão, etc. Diferentemente da opinião, a convicção está no âmago do indivíduo, elas são as “opiniões entranhadas” nos dizeres de Fromm e Maccoby. Dado ao seu caráter sólido e estruturado, é um dos guias elementares de um indivíduo.
Um revolucionário, que sempre votou nulo ou absteve-se de votar por acreditar que a democracia burguesa faz parte do conjunto das relações sociais que contribuem na reprodução do capitalismo, não irá mudar a sua militância porque na eleição X ou Y está um candidato mais reacionário e outro mais democrático (a velha questão da escolha do mal menor). Independente de quem se candidatar, o revolucionário tem consciência que esse processo não irá contribuir para acelerar o processo revolucionário; não há concessões e ilusões com aquilo que só irá retardar ainda mais a necessária autonomização do proletariado e das demais classes inferiores. O que é o "mal menor", em luta política, senão o prolongamento de um período até que o "mal maior" vença? A aposta, consciente e militante, na transformação radical da sociedade é muito mais realista do que realismo presentista.
Tal aposta exige a mais estruturada e mais importante das convicções para quem almeja uma sociedade radicalmente distinta: a convicção racional. As convicções fundadas racionalmente estão ligadas aos interesses da verdade e correspondem a realidade concreta. Não se alinha ao presentismo, não se ilude com o imediatismo e recusa o conjunturalismo. Isso, exige, evidentemente, formação revolucionária, ou melhor dizendo, autoformação revolucionária.
Sem autoformação não há convicção revolucionária. É impossível intervir na realidade sem antes compreendê-la e analisá-la de maneira que fiquem claros os interesses conflitivos da sociedade. A convicção revolucionária, então, parte, necessariamente, da perspectiva do proletariado, um dos elementos fundamentais do materialismo histórico-dialético, a principal arma intelectual fornecida pelo marxismo (expressão teórica do movimento revolucionário do proletariado), para analisarmos a sociedade. A autoformação aponta para o desenvolvimento da consciência revolucionária do indivíduo, que contribui não só consigo mas com a sua intervenção nas lutas, seja de maneira organizada a partir de um coletivo ou individualmente. Essa autoformação se dá a partir da leitura, no interior das experiências práticas, lutas, discussões, etc. A sua manifestação mais desenvolvida é a teoria, que é expressão da realidade num universo conceitual que evidencia cada elemento constitutivo do real numa totalidade concreta. Quanto mais ela for desenvolvida, mais o movimento revolucionário como um todo tende a avançar e conseguir concretizar o seu processo.
Uma luta cultural efetiva só pode ser plenamente revolucionária se os indivíduos que a produzem estão armados pela crítica revolucionária e esta só pode ser adquirida a partir da autoformação, que contribui para conhecer a realidade concreta, suas tendências,  potencialidades, e os perigos das falsas promessas e ilusões dos que dizem estarem ao nosso lado (organizações burocráticas das mais diversas [partidos políticos, sindicatos, etc.], ideologias progressistas, etc.).
Assim, quanto mais temos elementos sobre a nossa realidade, mais a nossa prática política estará coerente e contribuirá com os fins revolucionários que nos propomos. Como bem disse Anton Pannekoek: a revolução não será o efeito de uma força física bruta, será sim uma vitória da consciência. Sem convicção revolucionária, não há práxis revolucionária. Somente a percepção e a convicção da necessidade de combater a sociedade desumanizada nos levará a humanização da sociedade.




[2] Sobre a distinção entre opinião e convicção, veja Cf. “Caráter Social de uma Aldeia” de Erich Fromm e Michael Maccoby e “As Representações Cotidianas e as Correntes de Opinião” de Nildo Viana (Cf. https://redelp.net/revistas/index.php/rel/article/view/293/227)

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