Revoltosos querem derrubar ditador no poder há 42 anos
27/2/2011
Alegando o desejo de nacionalizar as reservas de petróleo do país, Muammar Kadafi instalou a ditaduraA maior onda de revolta popular de toda a ditadura líbia se abate sobre o país. Com 42 anos no poder, o presidente Muammar Kadafi se recusa a renunciar e diz que morrerá como mártir. Em uma tentativa de permanecer no poder, o ditador mandou as forças do governo abrirem fogo contra os manifestantes. Combates sangrentos acontecem por todo o país desde o dia 14 de fevereiro, quando os protestos tiveram início.
Com um histórico de domínio por outros país e de uma ditadura que dura mais de quatro década, a população clama por melhores condições de vida e pelo direito de decidir os rumos de seu país. Como o efeito de uma onda, a derrubada dos presidentes da Tunísia e do Egito, desencadearam na Líbia um sentimento que estava latente no seu povo - o desejo de ter liberdade.
Apesar de ser, hoje, um dos países mais prósperos da África, com a desigualdade social como marca, até os anos 1950, a Líbia era uma das nações mais pobres do continente. Localizada no Norte africano, é um país desértico e sem rios permanentes, cuja população, estruturada em uma sociedade tribal, se fixou no litoral do Mar Mediterrâneo onde ocorrem alguns chuvas ao longo do ano.
O panorama de extrema pobreza registrado na primeira metade do século XX, se transformou com a descoberta do petróleo, em 1959. A extração do ouro negro possibilitou o desenvolvimento do país e lhe proporcionou, atualmente, o melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do continente africano - 0,755. A expectativa de vida também é alta para a região, 72,2 anos para homens e 77,4 para mulheres.
O petróleo é o grande responsável pelos números que marcam a economia da nação. O Produto Interno Bruto (PIB) foi, em 2009, de US$ 62,36 bilhões, sendo 78 % desse montante proveniente da indústria, principalmente extrativista, já que o país não refina o petróleo extraído. As exportações (US$ 63,05 bilhões) são quase cinco vezes maiores do que as importações (US$ 11,5 bilhões), dados do ano de 2008.
Ponto estratégicoGraças a sua posição estratégica, a costa líbia foi ocupada por diferentes povos na Antiguidade. Fez parte do Império Bizantino (século IV) e do Império Turco-Otomano (século XVI). Em 1911, é invadido pela Itália, cuja colonização se consolidou em 1934. Em seguida, durante a II Guerra Mundial, França e Reino Unido dividem o país.
Em 1949, a Organização das Nações Unidas (ONU), em um acordo com os dois países europeus, concede a Coroaao rei Idris I. O reino da Líbia consegue a independência em 1951. Quando completa a maioridade, a monarquia é derrubada por Muammar Kadafi, em 1969.
O então capital do exército, hoje coronel, substitui a bandeira da monarquia - vermelha, preta e verde, com uma lua e uma estrela - por uma bandeira toda verde. Os manifestantes que lutam há 13 dias para derrubá-lo do poder usam a antiga bandeira como forma de negar o a nação dominada por Muammar Kadafi.
Com o argumento de nacionalizar as reservas de petróleo e reforçar as tradições islâmicas, o ditador instala a ditadura que está prestes a ruir.
O governo líbio passa a ser acusado financiar atividades terroristas em apoio à causa palestina. Na década de 1980, os EUA impõem sanções econômicas e bombardeiam Trípoli e Benghazi para destruir campos de treinamento terrorista.
Uma grande crise, envolvendo o atentado à bomba que derrubou um avião da Pan Am, na Escócia, matando 270 pessoas, a maioria americanos, desencadeou no isolamento do país.
Dois agentes líbios são responsabilizados pelo atentado. A negativa do governo líbio em extraditar os acusados faz com que a ONU dê início, em 1992, a um amplo embargo contra a Líbia. Sete anos depois, Kadafi cede, aceitando o julgamento dos acusados pelo atentado, dá início a privatizações e rompe com o Irã, como reação ao fundamentalismo islâmico.
O isolamento internacional da Líbia acaba em 2003, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) anula as sanções que prejudicavam a economia.
Grandes companhias petrolíferas americanas voltam a operar no país, em 2005, cuja produção estava parada desde 1986. No ano seguinte a retomada, as relações diplomáticas com os Estados Unidos são restabelecidas e a nação sai da lista dos países que apoiam o terrorismo.
O corte dos laços diplomáticos com os EUA aconteceu mais uma vez na sexta-feira, após menos de cincos anos de relativa calmaria. A reação violenta das forças armadas contra os manifestantes contrários ao governo fez com que o presidente americano Barack Obama anunciasse o rompimento com a nação.
Outros países ocidentais seguem no mesmo rumo. A Suíça, antes mesmo da queda do ditador, bloqueou suas contas e de seus familiares. França, Reino Unido e Estados Unidos estão em contato direto para realizar uma série de ações contra o governo líbio. O Conselho de Direitos Humanos da ONU condenou na sexta-feira a violência praticada pelas forças líbias contra manifestantes, e iniciou uma investigação internacional sobre possível ocorrência de crimes contra a humanidade.
Por unanimidade, os 47 países integrantes do Conselho adotaram uma resolução que denuncia assassinatos, prisões e torturas de civis durante manifestações pacíficas. Os EUA não descartam uma intervenção.
Análise
Para o professor de Ciências Políticas do Curso de Direito da Universidade de Fortaleza (Unifor), Francisco Moreira, a revolta na Líbia, assim como as outras nos países vizinhos tem, predominantemente, um fundo material, marcada pela completa insatisfação da população.
"A região se tornou explosiva pelo acúmulo de problemas ao longo dos anos, com o autoritarismo e o centralismo das ditaduras. Esse é um período de transformação, cujas causas são a negação dos direitos básicos da população", afirma.
Outro ponto importante apontado pelo professor é o envolvimento decisivo dos jovens nas manifestações. "Os jovens tem uma abertura para o mundo. São mais afeitos ao que acontece no mundo e tem uma visão diferente da dos mais velhos. Essa é uma onda nova. Mas temos que esperar com prudência pelos resultados", frisa, lembrando que os líbios, assim como pessoas de outros países do Oriente Médio, não conhecem a democracia. "Pelo menos não a democracia a que estamos acostumados no Ocidente", diz.
Entretanto, para Moreira, uma coisa é certa: não há volta. "Não tem retorno. Toda a região está se envolvendo nesse movimento. Com certeza algo de novo vai acontecer, mas ainda não dá pra dizer como será", diz.
KÉLIA JÁCOMEESPECIAL PARA O INTERNACIONAL
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=941085
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