A importância da autoformação para a convicção revolucionária
Gabriel Teles
A Autogestão Social é o maior e mais
belo projeto político empreendido na história da Humanidade. Essa utopia
concreta, que aponta para a emancipação humana, nos leva a necessidade de
transformar radicalmente a totalidade das relações sociais derivadas da atual
sociedade capitalista na qual vivemos, fundada na divisão entre classes
sociais. Trata-se de uma nova sociedade radicalmente distinta, com um outro
modo de produção, outras formas sociais e uma outra maneira de se viver e
expressar nossas verdadeiras potencialidades enquanto seres humanos.
Aquele que almeja essa nova
sociedade, a aurora da humanidade, busca contribuir com o processo
revolucionário que nos leve até ela. O denominamos de revolucionário. O
revolucionário é aquele que, como bem disse Carlos Marques em “O que é ser revolucionário?”[1],
luta e busca concretizar o projeto autogestionário, acima de seus interesses
individuais. Assim, o revolucionário vincula o seu projeto de vida ao projeto
revolucionário; se liga, numa atitude de coragem e convicção, aos objetivos
históricos da classe social que possui os interesses e potencialidade de
efetivar a revolução social, o proletariado. Tal atitude não é fácil: ser
revolucionário, numa sociedade que respira o ar pesado das ideias dominantes,
significa remar contra a maré num frágil barco sem hastilhas. Em momentos
não-revolucionários, ser revolucionário é lutar contra quase tudo e todos,
inclusive consigo mesmo, com nossos interesses individuais que eventualmente
podem se chocar com os interesses históricos que buscamos expressar. A
convicção, então, é fundamental; e um revolucionário só pode sê-lo se tiver
convicção daquilo que acredita.
A convicção revolucionária é
radicalmente distinta de uma opinião[2]. Uma mera
opinião política é tão frágil que com
uma simples oscilação do indivíduo ou do meio que o cerca (condições políticas,
arrefecimento de uma luta que o indivíduo faz parte, etc.), pode ser desfeita e
cessar. Em muitos casos, a anedota sobre os jovens é correta: incendiário na
juventude e bombeiro em idade adulta. Quem não conhece aquele conhecido ou
amigo que, quando jovem ou dentro de um processo de intensificação das lutas
sociais, torna-se um ardente militante, mas tão logo passa a sua fase de
ressocialização (determinação fundamental da juventude) ou as lutas esmorecem,
ele volta a ter atitudes conservadoras, a taxar de radicais aqueles que ainda
continuam na luta ou aprofundam a sua perspectiva revolucionária? Se o
indivíduo em questão só possui uma mera opinião frágil sobre a necessidade de
mudar o mundo, será necessária pouco vento para que ele debande para uma visão
mais moderada ou até mesmo conservadora. Esse indivíduo, no máximo, vai à
reboque dos sabores e dissabores da dinâmica das lutas de classe, podendo
conjunturalmente se radicalizar ou tornar-se mais conservador de acordo os
ventos do cotidiano capitalista. As opiniões, enfim, estão na superfície da
mentalidade do indivíduo, não descortinam os elementos e determinações mais
profundos da mentalidade.
Esse exemplo, definitivamente, não
aponta para um caráter revolucionário necessário a uma pessoa que busca a
transformação social. Isso, exige, como dissemos, convicção. A convicção pode
ser fundamentada em diversos processos sociais: sentimentos, valores,
interesses, razão, etc. Diferentemente da opinião, a convicção está no âmago do
indivíduo, elas são as “opiniões entranhadas” nos dizeres de Fromm e Maccoby.
Dado ao seu caráter sólido e estruturado, é um dos guias elementares de um
indivíduo.
Um revolucionário, que sempre votou
nulo ou absteve-se de votar por acreditar que a democracia burguesa faz parte
do conjunto das relações sociais que contribuem na reprodução do capitalismo,
não irá mudar a sua militância porque na eleição X ou Y está um candidato mais
reacionário e outro mais democrático (a velha questão da escolha do mal menor).
Independente de quem se candidatar, o revolucionário tem consciência que esse
processo não irá contribuir para acelerar o processo revolucionário; não há
concessões e ilusões com aquilo que só irá retardar ainda mais a necessária
autonomização do proletariado e das demais classes inferiores. O que é o "mal menor", em luta política, senão
o prolongamento de um período até que o "mal maior" vença? A aposta,
consciente e militante, na transformação radical da sociedade é muito mais
realista do que realismo presentista.
Tal aposta exige a
mais estruturada e mais importante das convicções para quem almeja uma
sociedade radicalmente distinta: a convicção racional. As convicções fundadas
racionalmente estão ligadas aos interesses da verdade e correspondem a
realidade concreta. Não se alinha ao presentismo, não se ilude com o
imediatismo e recusa o conjunturalismo. Isso, exige, evidentemente, formação
revolucionária, ou melhor dizendo, autoformação revolucionária.
Sem autoformação não
há convicção revolucionária. É impossível intervir na realidade sem antes
compreendê-la e analisá-la de maneira que fiquem claros os interesses
conflitivos da sociedade. A convicção revolucionária, então, parte,
necessariamente, da perspectiva do proletariado, um dos elementos fundamentais
do materialismo histórico-dialético, a principal arma intelectual fornecida
pelo marxismo (expressão teórica do movimento revolucionário do proletariado),
para analisarmos a sociedade. A autoformação aponta para o desenvolvimento da
consciência revolucionária do indivíduo, que contribui não só consigo mas com a
sua intervenção nas lutas, seja de maneira organizada a partir de um coletivo
ou individualmente. Essa autoformação se dá a partir da leitura, no interior
das experiências práticas, lutas, discussões, etc. A sua manifestação mais
desenvolvida é a teoria, que é expressão da realidade num universo
conceitual que evidencia cada elemento constitutivo do real numa totalidade concreta.
Quanto mais ela for desenvolvida, mais o movimento revolucionário como um todo
tende a avançar e conseguir concretizar o seu processo.
Uma luta cultural
efetiva só pode ser plenamente revolucionária se os indivíduos que a produzem
estão armados pela crítica revolucionária e esta só pode ser adquirida a partir
da autoformação, que contribui para conhecer a realidade concreta, suas
tendências, potencialidades, e os
perigos das falsas promessas e ilusões dos que dizem estarem ao nosso lado
(organizações burocráticas das mais diversas [partidos políticos, sindicatos,
etc.], ideologias progressistas, etc.).
Assim, quanto mais
temos elementos sobre a nossa realidade, mais a nossa prática política estará
coerente e contribuirá com os fins revolucionários que nos propomos. Como bem
disse Anton Pannekoek: a revolução não será o efeito de uma força física bruta,
será sim uma vitória da consciência. Sem convicção revolucionária, não há
práxis revolucionária. Somente a percepção e a convicção da necessidade de
combater a sociedade desumanizada nos levará a humanização da sociedade.
[2] Sobre a distinção entre opinião e convicção, veja Cf.
“Caráter Social de uma Aldeia” de Erich Fromm e Michael Maccoby e “As Representações Cotidianas e as Correntes
de Opinião” de Nildo Viana (Cf. https://redelp.net/revistas/index.php/rel/article/view/293/227)
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